Controle de convencionalidade de direitos humanos: a contribuição das novas tecnologias

Casa Leiria CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DE DIREITOS HUMANOS A CONTRIBUIÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS TÊMIS LIMBERGER JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA WILSON ENGELMANN (ORGANIZADORES) ESCOLA de Direito DIREITO MESTRADO E DOUTORADO PREFÁCIO: FLÁVIA PIOVESAN

Considerando que as novas tecnologias têm a potencialidade de promover direitos, mas também de violá-los, há a urgência das ciências das humanidades responder a situações em que o vácuo ou déficit regulatório e de governança resultam na perpetuação de graves violações decorrentes do uso abusivo e arbitrário das novas tecnologias. Daí a necessidade de compreender o experimentalismo multinível em sua ânsia de adotar princípios, diretrizes, marcos regulatórios e modelos de governança para disciplinar as novas tecnologias, compreendendo a internet, a inteligência artificial e a neurotecnologia. De um lado, importa avaliar o impacto das novas tecnologias em relação aos direitos humanos e, por outro, o impacto dos direitos humanos nas novas tecnologias. Ao adotar o enfoque comparado e o empirismo jurídico, enfrentando temas de elevada centralidade na agenda contemporânea dos direitos humanos no sistema multinível, esta obra oferece extraordinária e qualificada contribuição à cultura dos direitos humanos e controle de convencionalidade, fortalecendo a emergência de um novo paradigma jurídico emancipatório radicado na prevalência da dignidade humana. Flávia Piovesan

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DE DIREITOS HUMANOS A CONTRIBUIÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS TÊMIS LIMBERGER JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA WILSON ENGELMANN (ORGANIZADORES) CASA LEIRIA SÃO LEOPOLDO/RS 2024

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DE DIREITOS HUMANOS: A CONTRIBUIÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS Organizadores: Têmis Limberger Jânia Maria Lopes Saldanha Wilson Engelmann DOI: https://doi.org/10.29327/5451117 Os textos são de responsabilidade de seus autores. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Catalogação na Publicação Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973 Casa Leiria Ana Carolina Einsfeld Mattos Ana Patrícia Sá Martins Antônia Sueli da Silva Gomes Temóteo Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco Haide Maria Hupffer Isabel Cristina Arendt Isabel Cristina Michelan de Azevedo José Ivo Follmann Luciana Paulo Gomes Luiz Felipe Barboza Lacerda Márcia Cristina Furtado Ecoten Rosangela Fritsch Tiago Luís Gil Conselho Editorial (UFRGS) (UEMA) (UERN) (UFRN) (Feevale) (Unisinos) (UFS) (Unisinos) (Unisinos) (UNICAP) (Unisinos) (Unisinos) (UnB) C764 Controle de convencionalidade de direitos humanos: a contribuição das novas tecnologias [recurso eletrônico] / organização Têmis Limberger, Jânia Maria Lopes Saldanha, Wilson Engelmann. São Leopoldo: Casa Leiria, 2024. Disponível em: <http://www.casaleiriaacervo.com.br/direito/ccdh/ index.html > Conteúdo bilingue português-espanhol. ISBN 978-85-9509-139-9 1. Direitos humanos – Controle de convencionalidade. 2. Controle de convencionalidade – Direitos humanos – Novas tecnologias. 3.Controle de convencionalidade interamericano – Justiça brasileira. I. Limberger, Têmis (Org.). II. Saldanha, Jânia Maria Lopes (Org.). III. Engelmann, Wilson (Org). CDU 342.7 ESCOLA de Direito DIREITO MESTRADO E DOUTORADO

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DE DIREITOS HUMANOS A CONTRIBUIÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

Controle de convencionalidade de direitos humanos: a contribuição das novas tecnologias 6 SUMÁRIO 9 Prefácio Flávia Piovesan I) CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E UTILIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CIDH NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL 15 As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa Têmis Limberger 103 Controle de convencionalidade interamericano no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: análise jurisprudencial dos direitos das mulheres entre os anos de 2018-2023 Eduardo Augusto Salomão Cambi Lucas Paulo Orlando de Oliveira 125 Sistemas de interações convencionais e controle de convencionalidade: análise das decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (2018/2023) sobre violência contra a mulher por meio do SISTERCON/Unisinos Ademar Pozzatti Júnior João Pedro Seefeldt Pessoa Juliana Paganini II) CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NA AMÉRICA LATINA 147 Controle de convencionalidade em terrae brasilis: o que há (de novo) no processo de justiça transicional? Cássia Ellen Menin Jânia Maria Lopes Saldanha 161 A aplicação do controle de convencionalidade na justiça brasileira: análise do caso Samanta Nunes da Silva x Brasil Viviane de Faria Miranda Carmen Hein de Campos Cristiano Vilhalba Flores

7 Têmis Limberger, Jânia Maria Lopes Saldanha, Wilson Engelmann (organizadores) 179 Construção normativa do direito territorial indígena na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Fernanda Frizzo Bragato 193 Controle de convencionalidade no combate ao trabalho escravizado Valdete Souto Severo Lucilla Kluwe Pereira 215 Obligaciones surgidas de la Convención Americana de Derechos Humanos para los estados parte y los efectos de su incumplimiento David Mendieta Gloria María Algarín Herrera 251 Trabalho doméstico decente e fraternidade: a legislação brasileira e a Convenção 189 da OIT Luciane Cardoso Barzotto Maíra Brecht Lanner 269 Três anúncios para uma crise: o que a cronologia da aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos pelo STF e pelo STJ tem a nos alertar? Martha Lucía Olivar Jimenez Marcírio Barcellos Gessinger III) CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E A CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS 293 Los derechos humanos en la Unión Europea y el Consejo de Europa ante los retos de la inteligencia artificial: problemas de la incidencia tecnológica desde una perspectiva procesalista Enrique César Pérez-Luño Robledo 321 Direito à desindexação e o caso Biancardi da Corte Europeia de Direitos Humanos: diálogos entre Brasil-Itália e uma oportunidade para repensar Benedetto Ponti Cristiano Colombo 341 A proteção de dados dos consumidores: uma análise da questão prejudicial nº C-40/2017 do Tribunal de Justiça da União Europeia Luciane Klein Vieira Andressa Zanfonatto Slongo

Controle de convencionalidade de direitos humanos: a contribuição das novas tecnologias 8 IV) NOVAS TECNOLOGIAS – CONTRIBUTO AOS DIREITOS HUMANOS 361 O controle de convencionalidade de direitos humanos à luz da ordem jurídica portuguesa: o contributo das novas tecnologias Maria do Rosário Anjos 385 Os sistemas de IA: entre os riscos e as possibilidades do princípio da precaução Wilson Engelmann 409 Epílogo 415 Sobre os organizadores

9 PREFÁCIO Flávia Piovesan1 É commuita honra, alegria e esperança que aceitei o especial convite de prefaciar a primorosa obra “Controle de Convencionalidade de Direitos Humanos: a contribuição das novas tecnologias”, organizada pelos professores Têmis Limberger, Jânia Maria Lopes Saldanha e Wilson Engelmann, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Estruturada em quatro partes, a obra adota como ponto de partida a análise do controle de convencionalidade e a utilização da jurisprudência interamericana pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com destaque às novas tecnologias com ferramentas facilitadoras e integradoras da aplicação do controle de convencionalidade; à proteção dos direitos humanos das mulheres; e ao combate à violência contra as mulheres, por meio de valiosa pesquisa empírica. Transita, assim, ao estudo da temática à luz do enfoque comparado, considerando a experiência do controle de convencionalidade na América Latina, com ênfase à justiça de transição; ao combate 1 Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP; Professora dos Programas de Graduação e Pós Graduação da PUC-SP; visiting fellow do Human Rights Programda Harvard Law School (1995 e 2000); visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005); visiting fellow do Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg – 2007; 2008; 2015-2024); Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck Institute (Heidelberg – 2009-2014); e Lemman visiting scholar do David Rockefeller Center for Latin America Studies da Harvard University (2018). Foi membro da UN High Level Task force for the implementatiton of the right to development e do OAS Working Group para o monitoramento do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais. Foi membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2018 a 2021) e ex Vice-presidente da Comissão Interamericana (2020-2021). Em 2022 recebeu o Georg Forster Humboldt Research Award. É Coordenadora Científica da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana no Conselho Nacional de Justiça (UMF/CNJ). DOI: https://doi.org/10.29327/5451117.1-1

Prefácio 10 à discriminação racial; aos direitos dos povos indígenas; ao combate ao trabalho escravizado; e ao trabalho doméstico decente, com instigante empirismo jurídico. Em um terceiro momento, o enfoque comparado desloca-se à análise do controle de convencionalidade na experiência da Corte Europeia de Direitos Humanos, com especial destaque ao impacto das novas tecnologias, compreendendo os desafios da inteligência artificial, o direito à desindexação e o direito à proteção de dados. Por fim, a obra oferece instigante análise do impacto das novas tecnologias em relação aos direitos humanos, abrangendo o estudo da inteligência artificial, seus riscos e o princípio da precaução, à luz do controle de convencionalidade. O controle de convencionalidade aponta à emergência de um novo paradigma jurídico pautado no sistema jurídico multinível, dotado de permeabilidades, mediante a estatalidade aberta, em que diálogos, empréstimos e interações se movem sob a inspiração do princípio maior da dignidade humana. Neste contexto, ao processo de constitucionalização do Direito Internacional conjuga-se o processo de internacionalização do Direito Constitucional. Somam-se, ainda, os processos de humanização do Direito Internacional e internacionalização dos direitos humanos. A perspectiva multinível e o controle de convencionalidade são os vértices que atravessam esta obra coletiva, conferindo-lhe unidade e sentido, sob a lente comparada. Por sua vez, ênfase é conferida ao impacto das novas tecnologias em relação aos direitos humanos. Com efeito, testemunha-se o impacto multidimensional das novas tecnologias nos direitos humanos, por meio de um processo dinâmico, veloz, complexo e em constante transformação, do qual emergem novos direitos e novos riscos. Observa-se, ainda, a relevância de adotar um enfoque pautado em vulnerabilidades, considerando não apenas o chamado digital divide e o gender gap no acesso às novas tecnologias, mas ainda o impacto desproporcionalmente lesivo do uso das novas tecnologias em relação a crianças e adolescentes, bem como em relação a grupos raciais vítimas de online discrimination, discriminação algorítmica ou do hate speech online. Considerando que as novas tecnologias têm a potencialidade de promover direitos, mas também de violá-los, há a urgência das ciências das

11 Flávia Piovesan humanidades responder a situações em que o vácuo ou déficit regulatório e de governança resultam na perpetuação de graves violações decorrentes do uso abusivo e arbitrário das novas tecnologias. Daí a necessidade de compreender o experimentalismo multinível em sua ânsia de adotar princípios, diretrizes, marcos regulatórios e modelos de governança para disciplinar as novas tecnologias, compreendendo a internet, a inteligência artificial e a neurotecnologia. De um lado, importa avaliar o impacto das novas tecnologias em relação aos direitos humanos e, por outro, o impacto dos direitos humanos nas novas tecnologias. Ao adotar o enfoque comparado e o empirismo jurídico, enfrentando temas de elevada centralidade na agenda contemporânea dos direitos humanos no sistema multinível, esta obra oferece extraordinária e qualificada contribuição à cultura dos direitos humanos e controle de convencionalidade, fortalecendo a emergência de um novo paradigma jurídico emancipatório radicado na prevalência da dignidade humana.

I) CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E UTILIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CIDH NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

15 AS NOVAS TECNOLOGIAS COMO FERRAMENTAS FACILITADORAS E INTEGRADORAS À APLICAÇÃO DO CONTROLE DA CONVENCIONALIDADE INTERAMERICANA PELOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO E DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – RESULTADOS DA PESQUISA1 Têmis Limberger2 1. INTRODUÇÃO Este estudo aborda o projeto de pesquisa desenvolvido para o edital do pesquisador gaúcho Edital Fapergs nº7/20213 – Pesquisador Gaúcho – de caráter interdisciplinar, pois conta com a participação de pesquisadores das áreas do direito (Escola de Direito) e da informática (Escola Politécnica) da Unisinos . O problema consiste em analisar: Qual a frequência da aplicação do controle de convencionalidade interamericana4 (CIDH, 2024a) 1 Edital Fapergs nº 7/2021 – PqG 2 Doutora em Direito Público pela Universidade Pompeu Fabra – UPF de Barcelona. Pós-doutora em Direito pela Universidade de Sevilha. Professora do Programa de Pós-graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Advogada. Procuradora de Justiça do MP/RS (aposentada). 3 Edital Fapergs nº7/2021 – Pesquisador Gaúcho- Com a participação de professores (da Escola Politécnica e do Direito) e doutorandos do PPGD Unisinos, que coordeno. Também, colaboram os graduandos: Ana Paula M. Brenner e os bolsistas de Iniciação Científica: Carolina B. de Oliveira, Éllen S. Rodrigues, Gabriel R. Amaro e Paola da S. Schneiders. 4 Para fins do presente projeto, entende-se controle de convencionalidade como sendo a adequação das decisões jurisdicionais aos marcos normativos estabelecidos no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Nesse sentido, destacam-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos DOI: https://doi.org/10.29327/5451117.1-2

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 16 pelos membros do Poder Judiciário e funções essenciais à Justiça do Estado do Rio Grande do Sul? Como ampliar e qualificar o controle de convencionalidade interamericano realizado pelos membros do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul e das funções essenciais à Justiça5 (Brasil, 1988) a partir das novas tecnologias? Como objetivo geral, analisar: a frequência da aplicação do controle de convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e funções essenciais à Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, bem como estruturar possibilidades de sua ampliação, a partir das novas tecnologias. Como Objetivos específicos: I) Estudar as decisões judiciais da SIDH no período de 2018 a 2021, a fim de identificar categorias mais recorrentes a serem cotejadas comas decisões do PJ gaúcho; II) Identificar a frequência do uso de marcos convencionais por membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à Justiça no Estado do Rio Grande do Sul no período de 2018 a 2022; III) Propor um aplicativo para fomentar e integrar o uso de marcos convencionais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul e das funções essenciais à Justiça. Relativo à metodologia a pesquisa tem caráter interdisciplinar, pois se trata de tema complexo – desenvolvimento do software denominado de SISTERCON (Sistema de interações constitucionais e convencionais), contendo decisões jurídicas – que não podem ser trabalhados por uma única disciplina. Por isso, pesquisadores da Unisinos das áreas da tecnologia da informação e do direito, uniram- -se em prol desta pesquisa. A metodologia empregada é a fenomenológica hermenêutica, pois visa explicitar este modo de conhecer o mundo, do “ser-no- -mundo” – Dasein, sustentado pelo “ser-em”, que nutre a Teoria do Conhecimento (Streck, 2017, p. 23). Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) , Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”) e Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, entre outras. 5 Nos termos da Constituição Federal de 1988 são consideradas funções essenciais à Justiça o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública. Assim, adota-se o mesmo critério para esse projeto. BRASIL.

17 Têmis Limberger O método de abordagem é o dedutivo e a técnica de pesquisa é a bibliográfica combinada com a coleta de dados (pesquisa jurisprudencial) a partir do aplicativo desenvolvido. Atinente à estratégia de ação, a pesquisa será desenvolvida em duas fases. A primeira corresponde à análise de conteúdo dos processos judiciais em 2º grau, a partir da metodologia de “análise de conteúdo” (Bardin, 2016). O itinerário metodológico também será orientado em todas as fases pela pesquisa em acórdãos e jurimetria. Tais ferramentas serão desenvolvidas a partir das diretrizes que se encontram na literatura especializada (Machado, 2017). Nessa fase, considerar-se-ão os acórdãos de 2º grau, que citam decisões do SIDH) Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Pretende-se, dessa forma, identificar a frequência do uso de marcos convencionais por membros do Poder Judiciário (TJRS, 2024) e das funções essenciais à Justiça no Estado do Rio Grande do Sul no período de 2018 a 2022, de forma a considerar o período pretérito, durante e posterior à covid-19 (CIDH, 2024b), visando constatar diferenças ou não, devido à emergência sanitária. Para tanto, partiu-se da premissa de que no ano de 2020 havia pendentes 125.985 processos aguardando julgamento de recurso no 2º grau e 61.911 nas Turmas Recursais no TJRS (TJRS, 2024). Como critérios para seleção da amostra, foram propostas três variáveis: a) quantitativo; b) geográfico; e c) temático. No aspecto quantitativo, buscar-se-ão as decisões do TJRS de 2018 a 2022 efetuando-se o cotejo com a aplicação das decisões da CIDH de 2018 a 2021. As decisões do TJRS foram separadas em dois grupos de: a) 2018 a 2019 e b) 2020 a 2022, consistindo na análise antes e pós-pandemia, a fim de verificar possíveis diferenças. No tocante ao aspecto qualitativo, os assuntos serão divididos em natureza penal e cível. Atinente ao critério geográfico, os achados serão divididos em 7 regiões, considerando o mapa proposto pelo TCE6 (TCERS, 2024), considerando-se as cidades polo: Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Maria, Uruguaiana e Santa Cruz do Sul. 6 Divisão geográfica proposta pelo TCE/RS em7 Mesorregiões: Sudeste (Pelotas), Metropolitana (Porto Alegre), Nordeste (Caxias do Sul), Sudoeste (Uruguaiana), Noroeste (Passo Fundo), Centro-oriental (Santa Cruz do Sul) e Centro-ocidental (Santa Maria).

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 18 No desenvolvimento deste trabalho, tratar-se, á, inicialmente, aspectos do controle jurisdicional de convencionalidade, na sequência, a importância das novas tecnologias para o fomento dos direitos humanos, após, será explicado a criação do software, findando com considerações sobre os achados preliminares na pesquisa. 2. CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE Os Estados desenvolvem legislações no âmbito interno, visando assegurar direitos. Por sua vez, externamente, em se tratando do âmbito internacional, os Estados criaram diversos órgãos/ instituições a fim de possibilitar uma existência pacífica7. Tal visa a fortalecer relações entre estados que compartilham de uma mesma região do globo, formando-se os chamados “blocos”. A intenção, em grande medida, é definir, dentro dos parâmetros emitidos pela ONU, bem como por suas concepções culturais, quais os direitos e garantias fundamentais ao pleno exercício da vida humana e como seriam postos na prática. Neste contexto, surge a figura do controle jurisdicional de convencionalidade que, basicamente é judicial review das leis nacionais a partir das normas existentes no âmbito do direito internacional. Os fundamentos políticos-jurídicos desse instituto consistem na obrigação de que os Estados cumpram os pactos que vierem a assinar, baseando-se no dever de boa-fé nas relações internacionais, bem como no compromisso de manter preservadas as boas relações com a comunidade internacional (Saldanha, 2013). O controle jurisdicional de convencionalidade e efetivado em dois planos, sendo eles o a) internacional e o b) interno. O primeiro se dá pelas Cortes internacionais, enquanto o segundo é pelo âmbito estatal e deve ser realizado pelos órgãos judiciais responsáveis pela fiscalização da constitucionalidade das normas e dos atos do poder público (Saldanha, 2013). Emnosso país, a EC nº 45/2004, introduziu o §3º ao art. 5º, que conferiu “status” constitucional aos tratados internacionais. Nesta esteira, o Supremo Tribunal Federal concedeu o status de supra legalidade aos tratados internacionais em decisões tomadas no ano de 7 Pode-se citar como exemplo, a ONU, OIT, OCDE, OMC etc.

19 Têmis Limberger 2008 (Brasil, 2008a), que se tornaram paradigmáticas (Brasil, 2008b; Brasil, 2008c). Tais orientações possibilitaram o controle difuso de convencionalidade das leis, isto é, a partir daquele momento os juízes e os tribunais brasileiros passaram a ter o dever de verificar a compatibilidade ou não das leis ordinárias com os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Em caso de incompatibilidade, as leis teriam sua eficácia paralisada (Saldanha, 2010). No plano do sistema interamericano, interessa tratar da gênese do controle jurisdicional de convencionalidade na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos8. Nesse caminho, na jurisprudência consultiva da Corte encontram-se pareceres fundamentais para a construção do controle de convencionalidade. O referido mecanismo é tratado nas opiniões consultivas nº 1, de 1982 (CIDH, 1982), nº 7, de 1986 (CIDH, 1986) e nº, 14 de 1994 (CIDH, 1994). As manifestações da Corte Interamericana são: consultiva ou decisão contenciosa. Nesta hipótese, obrigatória e vinculante para todos os Estados Partes e as sentenças são fundamentadas e permite que haja a adição de votos separados ou dissidentes. Após a verificação do direito violado, a Corte determina que seja assegurado ao prejudicado o gozo do direito ou liberdade violados, paralelamente impõe também a reparação pelas consequências da violação e o pagamento de indenização justa à parte prejudicada. Dessas decisões, os Estados Partes podem realizar, também, o controle jurisdicional de convencionalidade (CIDH, 1994). Para Ramos (2009), é importante tomar à sério o controle de convencionalidade, bem como fazer valer os blocos de constitucionalidade e supra legalidade reconhecidos pelo STF, após o Re 466.343. Assim, a postura do STF será plenamente condizente com os compromissos internacionais de adesão à jurisdição internacional de Direitos humanos assumidos pelo Brasil, superando a tradicional fase da “ambiguidade”, na qual o Brasil ratificava os tratados de Direitos humanos, mas não conseguia cumprir seus comandos normativos interpretados pelos órgãos internacionais, em especial a Comissão e a Corte interamericanas de Direitos humanos. 8 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão jurisdicional do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. A Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada emSão José da Costa Rica, em22 de novembro de 1969, estabeleceu a Corte e a Comissão Interamericana como órgãos responsáveis pela implementação dos direitos humanos no continente.

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 20 O controle difuso de convencionalidade das leis é um instrumento que permite aos juízes e tribunais verificarem a compatibilidade da legislação ordinária comos tratados internacionais de direitos humanos e assim cumprir a importante função de agentes ativos da internacionalização do Direito. Isso conduz a que tal mecanismo se torne uma ferramenta valiosa para a interpretação do direito internacional, em prol dos direitos humanos. No mesmo caminho, as decisões da Corte Interamericana provocam um forte impacto nas jurisdições nacionais, veja-se o Caso nº 12.051 conhecido como Maria da Penha (CIDH, 2001). A pós-modernidade exige um olhar atento aos Direitos Humanos. 3. O USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA O FOMENTO DOS DIREITOS HUMANOS As novas tecnologias -NT- podem desempenhar um papel importante para impulsionar os direitos humanos. As NT não são “a priori” positivas ou negativas, dependem do uso humano que delas se faça. Frosini (1986) foi pioneiro ao estabelecer a revolução da tecnociência, que cunhou a expressão o “homem artificial”, devido a que as relações não seriam somente entre humano X humano ou entre humano X natureza, mas aborda as novas inteirações entre corpos e máquinas (na época, assistia-se à criação dos primeiros computadores). Veja-se a vanguarda de tal criação, pois hoje, vivem-se as demandas da Inteligência Artificial, sendo estas repercussões com o Direito e a Ética uma pauta que se constitui em grande desafio na atualidade. Devido à presença das novas tecnologias, chegou-se à era do Direito Artificial (Frosini, 1982, p. 24), expressão que se emprega como propósito de contrapô-la ao Direito Natural, considerando que a antítese da natureza -a physis- dos gregos que é a expressão que se contrapõe à tecné, significa dizer, criação artificial. A expressão direito artificial é correlata ao homem artificial, pois designa um novo tipo de homem, que não foi produzido pela natureza, mas pelo próprio homem. O Direito Artificial representa um modelo, quase um mito, que exerce particular atração nas sociedades de tipo tecnológico

21 Têmis Limberger avançado, suscitando, perplexidade e desconfiança uma vez que os juristas estão acostumados a uma tradição humanista. As influências que estas perspectivas oferecem ao pensamento jurídico, ainda não se pode mensurar. A teoria dos direitos humanos somente será capaz de responder às demandas atuais se estiver sincronizada com essa revolução tecnológica, na qual se encontra a consciência tecnológica. Por isso, no dizer de Pérez-Luño, a contribuição filosófico-jurídica mais importante de Frosini foi estatuir que a consciência jurídica não se esgota na mera consciência nomológica, isto é, na atividade do jurista tendente ao conhecimento e a elaboração dos materiais normativos imediatos, senão que se amplia na exigência reflexiva e crítica, a partir da consciência geral dos valores e da ciência. A revolução da tecnociência não somente redesenha a relação entre humano e não humano, e, ainda, nos faz entrar no território do pós-humano e o transumano das novas interações entre corpos e máquinas, da expansão das capacidades de cada qual e dos riscos das sociedades de castas: novamente se materializa diante de nós uma nova antropologia. Rodotà em uma síntese, assevera: A internet é a nova metáfora da globalização (Rodotá, 2014). Omar é a grande metáfora, não a nova. A liberdade dos mares se confronta com o nomos da terra, por isso, a ação de quem se movimenta na Internet fica descrita como navegar. As questões atinentes à época das Navegação, agora, são revisitadas pelas questões trazidas pela Informática. Relativo à Inteligência Artificial, a discussão fica mais complexa. O pós-humanismo assume que não implica a melhora, o aperfeiçoamento ou atualização do legado humanista, senão que supõe sua negação, abolição ou suplantação do humanismo. Constituindo- -se, por isso, anti-humanismo, visto que rechaça uma das principais conquistas da tradição humanista que foram os direitos humanos, nas palavras de Antonio Enrique Pérez Luño (2020, p. 18). Faz alguns anos que Habermas (2004) foi visionário ao vislumbrar a pretensão tecnocrática de imputar a determinado tipo de conhecimento e propostas como postulados tecno científicos, quando na realidade ocultam opções práticas e interesses. A ideologia tecnocrática trata de subtrair ao debate científico e político questões que interessam à generalidade dos cidadãos e

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 22 que, portanto, deveriam ser livremente discutidos. Os tecnocratas incorrem na manipulação ideológica consistente em ocultar seus interesses particulares, para revesti-los como teorias tecno-científicas, quando na realidade são meras propostas ideológicas. Habermas reflete ao final: ao desafio da técnica, não se pode responder somente com a técnica. Os poderes que apoiam e financiam a investigação técnico- -científica não são anônimos ou neutros, trata-se de pessoas e corporações reais e concretas com interesses e ideologias facilmente comprováveis, que devem ter sua responsabilidade social e política. A IA deve melhorar e apoiar a capacidade das pessoas, porém não as substituir. Por isso, o compromisso do SISTERCON como ferramenta que fomenta os direitos humanos, em especial, a questão da violência doméstica. 4. DESENVOLVIMENTO DO SOFTWARE SISTERCON Desenvolveu-se o SISTERCON (Sistema de interações constitucionais e convencionais), que é um software criado para o projeto. O principal objetivo é identificar as decisões do TJRS que utilizam como fundamento normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O software foi utilizado como apoio na atividade de operadores jurídicos de forma aberta e gratuita, que se encontra disponível em https://www.sidih.com.br. Faz-se uma breve descrição do funcionamento do software, contendo exemplos da dinâmica de funcionamento pretendida e de conjuntos de dados a serem utilizados. Em seguida, está disponível uma descrição considerando componentes necessários e etapas de desenvolvimento. No dia a dia dos profissionais jurídicos, há a utilização de fundamentos para subsidiar os pedidos, decisões ou manifestações. Esses fundamentos podem ocorrer com a utilização de leis, em sentido amplo, manifestações técnicas (doutrina) e a utilização da jurisprudência, que significa um conjunto de decisões de um Tribunal. Nesse último caso, tem-se o seguinte raciocínio: “em uma situação parecida ou muito semelhante, o Tribunal X já decidiu dessa forma”. Quando se tem esse tipo de argumento, o julgador está obri-

23 Têmis Limberger gado a adotar a mesma razão de decidir ou mostrar porque a decisão evocada não deve ser aplicada no caso concreto. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui um repositório (TJRS, 2024) que permite os usuários a encontrarem decisões de acordo com prefixos determinados. No caso abaixo, o repositório foi acessado e se pesquisou a expressão “presunção de inocência”: Figura 1 – Consulta ao site https://www.tjrs.jus.br/ novo/#jurisprudencia para o termo “Presunção de Inocência”. Na pesquisa, analisou-se tanto a ementa como o inteiro teor das decisões. Também importa destacar a penúltima linha da ementa, onde há a identificação dos elementos necessários da decisão. Ali, encontra-se o nome da ação/recurso, seu número, o órgão responsável pela decisão, o Tribunal, o Relator e a data de julgamento. O objetivo principal é identificar as decisões do TJRS que utilizam como fundamento normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Significa dizer, quando que o TJRS reconhece e emprega decisões da Corte Interamericana, da Comissão Interamericana ou de normas do Sistema Interamericano (a quantidade de normas e decisões consideradas pode variar conforme a disponibilidade de recursos financeiros) do TJRS entre os anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 que fizeram referências às normas e decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos é o escopo do projeto.

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 24 Se fizermos apenas isso e permitirmos que usuários acessem tais decisões, a serem classificadas por critérios ainda a serem indicados, já teremos atendido os requisitos do projeto. Pretende-se avançar e estruturar uma aplicação que permita o usuário consultar as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e das normas do SIDH pelos mesmos critérios de classificação das decisões do TJRS. Para tanto, suponha-se que um advogado queira utilizar-se da aplicação para a elaboração de uma petição. Acessando o aplicativo e escolhendo o tema necessário para peticionar, a aplicação já apresentaria uma série de trechos de decisões da Corte Interamericana, da Comissão ou de normas do Sistema Interamericano que tivessem correlação com a questão e, também, indicaria, ao mesmo tempo, decisões do TJRS que já tivessemmencionado o fundamento normativo ou decisões. O software poderia ser desenvolvido a partir de diferentes abordagens, a ser definida pelo setor durante a sua análise. Tanto versões para uso em formato desktop como versões dedicadas ao formato web podem ser consideradas. O primeiro componente software deve ser dedicado a proporcionar o acesso ao banco de dados disponível a partir do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS). Uma das URLs disponíveis para este acesso é a seguinte: https://www.tjrs.jus.br/novo/# jurisprudencia. O resultado deste tipo de acesso através do ambiente web está indicado na figura 1. Este componente de acesso aos dados abertos do TJRS deve proporcionar as consultas para períodos específicos, tal como o período entre os anos de 2018 até 2022. O formato de armazenamento de dados e tratamento dos mesmos deve ser definido livremente pelo setor na sua análise. O segundo componente do software a ser desenvolvido permitiu que sejam identificados termos no material consultado, tanto na ementa (o material resumido) como no inteiro teor (o material completo). Estas consultas são destinadas a identificar os casos em que existe a ocorrência de referências às normas e decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Esta identificação pode ser feita com uso de correspondência de termos no texto da ementa e do inteiro teor, com o respectivo destaque para esta ocorrência.

25 Têmis Limberger Portanto o fluxo de utilização do software prevê a seguinte dinâmica de utilização pelos usuários. Inicialmente deve ser realizada a indicação de um período de interesse na pesquisa. Em seguida o sistema deve recuperar os documentos do TJRS para o período desejado. Como etapa final, devem ser analisados automaticamente os documentos e identificados os documentos que contenham a citação de normas e decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, com uma busca textual pelos termos correspondentes, que sempre constam no texto destas decisões. 5. DOS RESULTADOS ENCONTRADOS JUNTOS AO TJRS Foi desenvolvido formulário (anexo nº1) para padronizar as buscas do grupo. Consta basicamente: identificação do processo e da Câmara, data do julgado e da informação do SIDH, região de origem, natureza cível ou penal, jurisdição, operador que evocou a decisão, descrição do julgado, argumentos relacionados ao SIDH utilizados no acórdão, decisões da CIDH citadas no acórdão, resultados do julgamento e iniciais do pesquisador. O SISTERCON (inspiração no SIMOREH – Sistema de Monitoreo de Recomendaciones – (SIMOREH, 2024)) está disponível no sítio eletrônico no https://www.sidih.com.br. O grupo trabalhou com a ferramenta. Buscaram-se as decisões do TJRS de 2018 a 2022 e cotejaram- -se com a aplicação das decisões da CIDH de 2018 a 2021. As decisões do TJRS foram separadas em dois grupos de: a) 2018 a 2019 e b) 2020 a 2022, consistindo na análise antes e pós-pandemia, a fim de verificar aumento ou diminuição de casos, em virtude da covid-19. Preliminarmente, foram encontradas no aspecto quantitativo: 2018 = 86, 2019= 80, totalizando 166 decisões de 2º grau com evocação à CIDH. A partir do período pandêmico, foram identificadas em2020= 63, 2021=53 e 2022=44, totalizando 160 neste período de covid-19. Percebe-se um nítido decréscimo. Uma hipótese é que durante o período de pandemia, somente tramitaram os processos eletrônicos e naquele momento, 80,8% (TJRS, 2023) eram digitalizados e houve um decréscimo da prestação jurisdicional, em razão das dificuldades decorrentes da pandemia. Na sequência, far-se-á

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 26 o cotejo com as decisões de recursos em geral do TJRS (Ano 2018 – 453.556; 2019 – 439.957; 2020- 312.683, 2021 – 336.995 e 2022425.848). Consta-se que no período pandêmico houve a diminuição dos recursos também, acompanhando a tendência de evocação das decisões da CIDH. Relativo aos assuntos tratados, de forma genérica, em uma primeira análise, a grande maioria foram assuntos criminais, na ordem de aproximadamente 85% e os cíveis 15%. Do ponto de vista qualitativo os assuntos criminais mais recorrentes foram: desacato/ resistência, violência doméstica, prova ilícita/revista íntima, audiência de custódia, tráfico de drogas, posse irregular de arma de fogo de uso permitido, homicídio qualificado, presídio condições do cárcere. Os assuntos de natureza cível foram: consumidor e ato infracional. Deste modo, os assuntos mais recorrentes foram: desacato e violência doméstica. No crime de desacato, tem-se a não aplicação da convencionalidade. O TJRS entende que o Brasil tem o delito previsto no art. 331 do CP e, portanto, não aplica as decisões proferidas na CIDH. O grupo entendeu de trabalhar com o tema da violência doméstica, pois no período da pesquisa foi o mais recorrente no tocante à aplicação de decisões que invocam a decisão da CIDH. A pesquisa buscou cotejar a espécie das decisões proferidas no período anterior à pandemia: 2018/2020 e 2021/2021 para verificar se havia distinção substancial dos assuntos tratados. Da pesquisa efetuada, tem-se que de 2018 a 2020 – não foram encontradas decisões que envolvessem a violência doméstica e logrou-se obter a localização de desacato, 2018 (8 processos)9, 2019 (8 processos)10, 2020 (9 processos). Nestes processos, o TJRS entende de não reconhecer a ausência do crime, como entende a CIDH, pois o Brasil prevê o delito de desacato no art. 331 do Código Penal. A evocação da decisão da CIDH é pelos advogados de defesa. 9 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelações Criminais nº 70079705067, 70078959764, 70077596815, 70075441881, 70078601838, 70079133047 e 70077715670, e Recurso Criminal nº 71007505431. 10 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recuso emSentido Estrito nº 70080547730; Habeas Corpus nº 70080723448; e Apelações Criminais nº 70082846643, 70082824475, 70081174773, 70081017857, 70080258783 e 70082907874.

27 Têmis Limberger Após o período pandêmico, tem-se o julgamento de questões envolvendo a violência doméstica, em 2021 (3 processos)11 e 2022 (9 processos)12, anexo 2. No espectro das regiões, tem-se casos oriundos em 2021 (3 casos13- nas regiões Metropolitana (2) – sede Porto Alegre -cidades de Canoas e Portão e Noroeste (1) sede Passo Fundo – em Santo Cristo ) e em 2022 (9 casos; 2 decisões da região Centro- -oeste do RS – Santa Maria, ambas da cidade-sede, 3 da região Noroeste: Caxias do Sul, duas da cidade-sede e uma de Vacaria, e 4 da região Metropolitana de Porto Alegre, duas da cidade-sede, uma de Sapucaia do Sul e uma de Capão da Canoa). A evocação das decisões da CIDH nos casos envolvendo a violência doméstica são da magistratura. Dos outros operadores jurídicos, constantes das funções essenciais à justiça não foram encontradas manifestações. A pesquisa denota a importância da jurisdição internacional que deu luzes à violência doméstica existente em nosso país e que, por vezes, perdia-se ou tinha trâmite demorado nos tribunais brasileiros. O CNJ expediu a recomendação nº 123/2022, no sentido de que os órgãos do Poder Judiciário brasileiro, observem os tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da CIDH. Tal documento se funda no art. 1º, III, c/c arts. 3º e 4º,II, CF, considerando os princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais; no art. 5º, §2º, CF a incorporação dos direitos decorrentes dos direitos internacionais de que o Brasil seja parte; no art. 5,§3º, CF tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional , em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes à emenda constitucional. E, ainda, na órbita Internacional, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 22/ 11 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Conflito de Competência nº 5205755-91.2021.8.21.7000, Apelação Criminal nº 70085058162 e Habeas Corpus nº 5216219-77.2021.8.21.7000 12 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Habeas Corpus nº 51982727320228217000, 51939674620228217000, 51924917020228217000, 51667127920238217000, 51636861020228217000, 50840681620228217000, 50807494020228217000 e 50757885620228217000; Apelação Criminal nº 51297337120208210001. 13 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Conflito de Competência nº 5205755-91.2021.8.21.7000, Apelação Criminal nº 70085058162 e Habeas Corpus nº 5216219-77.2021.8.21.7000.

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 28 nov/1969 promulgada por meio do Decreto nº 678/1992, comprometeu-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeito à sua jurisdição, destacando-se o art. 68 desta, no sentido de que os Estados Partes na Convenção, comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo o caso em que forem partes. O Caso Maria da Penha levado à Comissão de Direitos Humanos tornou-se sinônimo de luta contra a violência doméstica, dando ensejo à edição da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 e alterações posteriores. Trata-se de uma lei que se tornou efetiva, mas cuja luta ainda não acabou, considerando o número de casos que ainda ocorrem e, por vezes, as subnotificações. 6. COMPARATIVO DAS DECISÕES DA CIDH VS BRASIL E O TJRS: Considerando o período das decisões pesquisadas de 2018 a 2021, tem-se cinco julgamentos em que o Brasil foi demandado, utilizando-se o critério do fato mais antigo. Para tal análise, foi criado o formulário nº2 (anexo 3). A busca dos dados foi registrada (no anexo 4). O fato mais antigo julgado no período foi o caso Herzog e outros vs Brasil (OEA, 2018b). Os fatos ocorreram em 25/10/1975 durante o período da ditadura militar no Brasil. A data em que a sentença de procedência foi proferida em 2018, portanto 43 anos após a ocorrência do fato. O local em que os fatos ocorreram foi São Paulo, região sudeste do país. A temática foi a tortura e a necessidade de prevenção e punição dos responsáveis. O Estado violou os direitos de Vladmir Herzog e seus familiares ao não garantir investigação completa e adequada e punição dos envolvidos. O caso Sales Pimenta vs Brasil (OEA, 2022), os fatos ocorreram em 1982 e a sentença de procedência foi proferida em 2022, portanto 40 anos após a ocorrência na cidade de Marabá, no estado do Pará, região norte do país. Gabriel Sales Pimenta, advogado dos trabalhadores rurais, com 27 anos de idade foi morto com três tiros nas costas. O caso do povo Indígena Xucuru (OEA, 2018b) e seus membros vs Brasil ocorreu em 1989, no estado de Pernambuco, região

29 Têmis Limberger nordeste do país e a sentença parcialmente procedente ocorreu em 2018. Foi determinado ao Estado brasileiro que procedesse a demarcação e delimitação das terras dos territórios ancestrais. O caso Barbosa de Souza vs Brasil (OEA, 2021) ocorreu em 17/6/1998, na Paraíba, estado do nordeste do país e a sentença de procedência em 7/9/2021. O Estado brasileiro foi condenado por violência contra a mulher. A disparidade dos tratamentos atribuídos aos corpos masculino e feminino. A Assembleia legislativa da Paraíba obstaculizou o processo contra o deputado, em razão da morte de Márcia Barbosa de Souza. O caso de empregados da fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs Brasil (OEA, 2020), os fatos ocorreram em 11/12/1998, no estado da Bahia, região nordeste do país e a sentença de procedência foi proferida em 2019. A decisão estatuiu que 22 anos sobre a decisão no processo penal é uma violação à duração razoável do processo. O art. 19, impõe ao Estado a obrigação de adotar medidas especiais de proteção às crianças. Desde logo, é perceptível que os casos em que o Brasil foi demandado (2028 a 2021) tem um espectro mais amplo, considerando o que foi decidido no RS (2018 a 2022). Isso é coerente, pois o Brasil tem 26 estados federativos, o que já indica para um número maior de causas do que um único estado federativo. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: No período analisado (2018 a 2022), percebeu-se uma utilização tímida da jurisprudência da CIDH por parte do TJRS, não se identificando o controle de convencionalidade. Dos casos estudados, os de maior incidência, referem-se à utilização da jurisprudência da CIDH. Relativo aos operadores jurídicos, a magistrada se utilizou do Caso Maria da Penha para situações de violência doméstica e os advogados – nos casos de desacato invocaram a descriminalização, mas não lograram obter êxito junto ao TJRS. Tal indica baixa utilização da jurisprudência da CIDH e não foi encontrado controle de convencionalidade no período pesquisado (TJRS 2018 a 2022). Outras funções essenciais à justiça como Defensoria Pública e Ministério Público não evocaram as decisões da CIDH, no espectro pesquisado.

As novas tecnologias como ferramentas facilitadoras e integradoras à aplicação do controle da convencionalidade interamericana pelos membros do Poder Judiciário e das funções essenciais à justiça do estado do Rio Grande do Sul – resultados da pesquisa 30 De 2018 a 2020 não foram encontrados casos de aplicação da decisão da CIDH, referente ao CasoMaria da Penha. Isso não significa que não houve outros processos sem a invocação da Corte Interamericana. Porém, após o início do período de pandemia (2021 a 2022), percebe-se o crescimento da violência doméstica com a evocação do célebre e triste caso. Tal pode ser explicado, em virtude do período pandêmico e o confinamento que as pessoas tiveram no interior de seus lares propiciando os casos de agressão a mulheres. Os locais de origem dos processos, relacionam-se com os grandes centros urbanos: Regiões de: Santa Maria, Caxias do Sul (polo industrial), metropolitana – da capital do Estado- e noroeste – Passo Fundo. Na região da fronteira não foram encontrados processos. Os resultados podem indicar a melhor facilidade de acesso à justiça. A baixa utilização da jurisprudência e do Controle de Convencionalidade de Direitos Humanos denota a importância da Recomendação nº 123/2022 do CNJ, para que seja observada a Convenção Interamericana, visto que das decisões analisadas, a magistratura utilizou a jurisprudência do SIDH de forma mais efetiva. Tal denota a importância das políticas de incentivo à utilização do controle de convencionalidade. Decisões em que o Brasil foi demandado (CIDH 2018 A 2021) tem espectro mais amplo do que o apreciado em nosso Estado. Tal é decorrência dos 26 estados da federação e as diferenças regionais do Brasil. Constata-se que as decisões prolatadas pela CIDH ocorrem décadas após o fato ocorrido. Porém, emque pese serem tardias, tornam-se decisões de referência na temática. O aplicativo criado torna possível a visualização do número de casos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul sobre os casos envolvendo citações da CIDH . São as novas tecnologias colaborando para a concretização dos direitos humanos, que podem resultar na ampliação da utilização dos casos do SIDH. Necessário, também, que se agregue o engajamento de acadêmicos, operadores jurídicos e organizações sociais que trabalham com o tema. Esta é a contribuição do SISTERCON, à comunidade jurídica gaúcha graças ao edital Fapergs nº 7/2021.

31 Têmis Limberger REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Ediçoes 70 Almedina Brasil, 2016 (tradução do original L’analyse de contenu, Press Universitaire de France, 1977). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 maio 2024. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 87.585/TO. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF, 03 de dezembro de 2008-A. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/ paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891. Acesso em: 25 abr. 2024. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso extraordinário 349.703. Relator: Ministro Carlos Britto. Brasília, DF, 03 de dezembro de 2008-B. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/pagi nadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595406. Acesso em: 17 maio 2024. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso extraordinário 466.343-1. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, DF, 03 de dezembro de 2008-C. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/ paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 17 maio 2024. CIDH. Opinião Consultiva nº 1. 24 de setembro de 1982. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_01_esp1. pdf. Acesso em: 25 abr. 2024. CIDH. Opinião Consultiva nº 14. 9 de dezembro de 1994. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_14_esp. pdf. Acesso em: 25 abr. 2024. CIDH. Opinião Consultiva nº 7. 29 de agosto de 1986. Disponível em: ht tps://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_07_esp.pdf. Acesso em: 25 abr. 2024. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Documentos básicos em matéria de Derechos humanos en el sistema interamericano. Disponível em: http://www.cidh.org/Basicos/B%C3%A1 sicos-indice.htm. Acesso em: 17 maio 2024-A.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz