A aplicação do controle de convencionalidade na justiça brasileira: análise do caso Samanta Nunes da Silva x Brasil 166 O relato de Samanta no qual o médico tocou suas nádegas e ânus, além de roçar o bigode em seus seios, configura claramente violência sexual, conforme a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) como “todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações sexuais indesejadas; ou ações para comercializar ou usar de qualquer outro modo a sexualidade de uma pessoa por meio da coerção por outra pessoa, independentemente da relação desta com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o local de trabalho”. Esses toques, além de serem inadequados em um contexto médico, ultrapassam os limites de um exame ortopédico e se enquadram diretamente nesta definição. O comportamento do médico, portanto, não foi apenas impróprio, mas constituiu uma violação à dignidade e integridade física da vítima, caracterizando violência sexual. Delitos de natureza sexual frequentemente ocorrem sem a presença de testemunhas, e a palavra da vítima tem um peso probatório significativo, como reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa posição foi consolidada em vários julgados, como no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.594.445/SP, onde o STJ destacou que, em crimes dessa natureza, a credibilidade das declarações da vítima tem peso considerável (Brasil, 2018). A credibilidade da vítima não pode ser minada por discrepâncias menores nos depoimentos, principalmente quando essas podem ser explicadas pelo trauma associado à violência sexual, argumento corroborado pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (2021, p. 83), incorporado pela Recomendação nº 128, de 15/02/22 (CNJ, 2022), que reforça a inquestionável importância das declarações da vítima, reconhecendo a hipossuficiência processual das vítimas de violência sexual. Essas vítimas muitas vezes se veem silenciadas pela dificuldade de demonstrar a ausência de consentimento, além da pouca credibilidade conferida às suas palavras, são moralmente desqualificadas em uma cultura jurídica tolerante à violência sexual (Campos et al, 2017). Faz parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, sem que se cogite desequilíbrio processual. O peso probatório diferenciado é legitimado pela vulnerabilidade e hipossuficiência da ofendida na relação jurídica processual, qualificando-se a atividade jurisdicional, nesses moldes, como im-
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