181 Fernanda Frizzo Bragato 2022). Amera previsão legal, no entanto, não se traduziu emeficácia, diante da resistência dos Estados em cumprirem suas obrigações de demarcar e titular ou de devolver terras ilegalmente expropriadas dos indígenas. O reconhecimento oficial do direito de uma comunidade indígena a determinado território por parte do Estado depende não apenas da existência de previsão legal, mas também da definição dos critérios que serão utilizados para definir que dado território pertence à comunidade que o reivindica. Isso porque, ainda que o Direito Civil ocidental reconheça formas originárias de propriedade sobre bens imóveis, como é o caso das terras indígenas2, a forma como esses grupos se relaciona com os espaços reivindicados e que dão sentido para suas reivindicações difere profundamente das formas que a sociedade dominante utiliza para legitimar juridicamente a apropriação de algo. Interessa, nesse artigo, investigar como, a partir dos casos de direito territorial indígena julgados pela Corte IDH, as comunidades indígenas constroem normativamente suas territorialidades, no sentido de que, uma vez caracterizados determinados modos de relação com o território, esse passa a estar (ou deveria estar) sob o seu domínio. Silva (2013, p. 112) ensina que no estudo da territorialidade de um coletivo indígena, devem-se considerar os aspectos e fenômenos que sustentam a cultura, dentre os quais a espiritualidade é um dos pilares que auxiliam na explicação e compreensão dos demais fenômenos e aspectos intrínsecos à identidade cultural. Gersen Baniwa Luciano (2006, p. 101) ensina que a terra é o espaco geográfico que compoe o território, enquanto território é um espaco do cosmo, mais abrangente e completo, que compreende a propria natureza dos seres naturais e sobrenaturais e “onde o rio 2 Em relação a terras indígenas, João Mendes Jr. defendeu a teoria do indigenato, ou seja, que os índios eram os ocupantes primeiros das terras, e sua posse não estava sujeita à legitimação pelo ordenamento jurídico, pois não se tratava de aquisição de um direito, mas apenas da declaração de sua existência: “o indigenato é um título congenito, ao passo que a occupação é um título adquirido. Comquanto o indigenato não seja o unica verdadeira fonte jurídica da posse territorial, todos reconhecem que é, na phrase do Alv. de 1o de abril de 1680, ‘a primaria, naturalmente e virtualmente reservada’, ou, na phrase de Aristoteles (Polit., I, n. 8), – ‘um estado em que se acha cada ser a partir do momento do seu nascimento’. Por conseguinte, o indigenato não é um facto dependente de legitimação, ao passo que a occupação, como facto posterior, depende de requisitos que a legitimem.” (Mendes Junior, 1912, p. 58).
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