A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: contribuições para o MERCOSUL

A evolução jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia e a Carta de Direitos Fundamentais: de Roma a Lisboa 25 TJCE, aplicou-se diretamente o entendimento do Tribunal relativo aos princípios estabelecidos na CEDH. Trata-se do caso Hansen & Søn25 contra o Ministério Público dinamarquês, de 10 de julho de 1990. Ali, estava em questão a interpretação de um Regulamento comunitário (CEE nº 543/69 do Conselho) relativo à harmonização de algumas matérias de caráter social no âmbito do transporte público rodoviário. O Ministério Público dinamarquês (Anklagemyndigheden) instaurara um processo penal contra a sociedade Hansen & Søn (doravante Hansen) na qualidade de entidade patronal, pelo fato de um de seus condutores ter violado o Regulamento acima citado, que previa, entre outras questões, limites máximo e mínimo de condução e de repouso diários. O mesmo Regulamento, em seu artigo 18, fixava que os Estados-Membros adotassem as medidas legislativas que fossem necessárias à sua fiel execução, bem como o regime de sanções para as infrações acaso cometidas.26 Assim, o Ministro do Trabalho dinamarquês adotou um decreto (n.º 448, de 2 de junho de 1981) que previa punição mediante multa à entidade patronal quando houvesse descumprimento que violasse o disposto no Regulamento, independentemente da infração ter sido cometida de forma intencional ou por negligência. Dito de outra forma, a lei dinamarquesa estabelecera uma responsabilidade penal objetiva, isto é, responsabilidade cuja sanção não dependeria, em tese, de apuração de culpa. Com base nesse regime de responsabilização penal, Hansen foi condenada pela infração cometida por um de seus empregados. Hansen alegou que a responsabilidade penal puramente objetiva, prevista na lei dinamarquesa, não era compatível com o Regulamento comunitário, situação em que o Tribunal dinamarquês decidiu suspender o caso e remeter uma questão prejudicial ao TJCE. Este, por sua vez, não acatou nenhum dos pontos da argumentação de Hansen, sequer aquela que apontava para uma distorção na livre concorrência como fundamento do mercado comum, provocada pelo fato de apenas a Dinamarca ter previsto a responsabilidade penal objetiva. 25 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA COMUNIDADE EUROPEIA (TJCE). Acórdão do Tribunal de 10 de julho de 1990. Anklagemyndigheden contra Hansen & Soen I/S. (Processo C-326/88). Luxemburgo: TJCE, 10 jul. 1990. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;j sessionid=9ea7d2dc30d501f914b2bdfb4a869bbbd4882720c8f5.e34KaxiLc3qMb40Rch0Saxy LaNj0?text=&docid=96397&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1& cid=190044. Acesso em: 25 jul. 2024. 26 Sobre este ponto, é interessante notar que este Regulamento, ao estabelecer uma disposição que confere ao poder legislativo de cada Estado uma margem de ação para efetivar suas regras, poderia ser comparado ao efeito de uma Diretiva comunitária, já que estas têm como sua característica específica justamente o fato de dependerem de expedientes legislativos nacionais na sua implementação. O Advogado Geral Van Gerven, em suas conclusões sobre o caso em tela, apresentadas em 5 de dezembro de 1989, esclarece, contudo, no 10º parágrafo, que “ao escolher a forma de um Regulamento, o legislador comunitário buscava impor certo número de obrigações detalhadas e diretamente aplicáveis às pessoas e às empresas que operam no setor dos transportes, de maneira a evitar discordâncias entre as legislações nacionais” (cf. «Conclusions de l’avocat général Van Gerven présentées le 5 décembre 1989», em Recueil de jurisprudence, 1990, página I-02911).

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