21 Júlio César da Rosa Herbstrith no contexto da dadosfera, as memórias não podem também ser um campo de disputa, para a construção de narrativas? Os documentos de nossas memórias, emummundo hiper midiatizado são plurais, materiais ou digitais, eles existem e transitam entre o virtual e o real. Os lugares que acessamos para lembrar, ou que buscamos para evocar, trazer à luz lembranças não estão mais apenas atrelados ao espaço físico, estático e consolidado do arquivo. Agora, estão em rede, nas memórias que o Google nos oferta e que as vezes não queremos lembrar. Será que em maio de 2025 seremos mergulhados pelo Google em imagens das inundações? As mesmas imagens que foram feitas para lembrar ou para provar para o Estado que se passou pelo evento catastrófico, se sobreviveu, mas foi necessária a ajuda do ente público e a imagem vem como prova. As casas submersas não eram apenas o abrigo para os corpos que as habitam, mas o lugar de construção de memórias e de evocação de memórias o espaço físico damemória. Nestasmemórias individuais, não somente operam os documentos oficiais, os registros de nascimento e morte, do casamento e divórcio, de compra e venda, os boletos, todas formas de agrupamento de informações sobre a vida cotidiana. As memórias dentro das casas são evocadas, por cheiro, por toque, pela relação dos corpos com o espaço que habitam, pelo ranger da porta empenada, pela marca na parede que registra a passagem do tempo do filho ou da filha, pelo cheiro dos gatos e cachorros, pelo lugar reservado para o café da manhã. A casa é antes o lar, lugar que abriga, conforta, acolhe, um lugar que construímos para ser o repositório de nossasmemórias. Pode ser coletivo ou individual, mas ali seguimos dando forma ao que por fim seremos quando o fim chegar, mesmo que nossas histórias sejam pautadas pelos trânsitos, o lar é o lugar do ser em formação. O que as imagens nos mostram podem caber na contabilidade do capital, mas o que nelas não consta é o valor simbólico, o valor que cada indivíduo dá ao seu espaço. Somemos às imagens das casas submersas às imagens das imagens submersas. As fotografias, a história das vidas contadas através da imagem. A imagem que se refere ao outro, a imagem que evoca imagens para a construção dos imaginários, para manutenção das memórias, para o registro das histórias. Embarradas, soterradas destruídas, as fotografias que se foram nos contarão a cada um de nós sobre os dias em que a natureza nos lembrou que somos parte dela,
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