235 Ana Paola de Castro e Lins e José Anchieta Oliveira Feitoza Warren e Louis Brandeis, quando era considerado por meio de uma percepção exageradamente individualista, como uma espécie de direito de estar só, de forma apartada do convívio com outras pessoas e da intromissão do Estado, mantendo relação direta com o direito à propriedade. Afinal, estar só era privilégio de quem detinha propriedade. Tal percepção mudou, e a privacidade passou a ser tutelada como direito fundamental e essencial à personalidade, saindo do caráter extrínseco para assumir caráter intrínseco à pessoa (Doneda, 2006, p. 4-5). A mudança do conceito de privacidade enquanto direito acompanha as transformações sociais ao longo dos séculos XX e XXI, saindo de uma percepção estanque, representada pelo direito de ficar só, para uma percepção ampliada, o direito do titular das próprias informações, seja sobre informações da esfera íntima indisponível, seja sobre informações da esfera negociável, seja sobre o controle das informações sobre si (Magalhães; Oliveira, 2021, p. 58). Houve a migração do patamar da privacidade como direito negativo de não intervenção estatal para o caráter de direito positivo, influenciado por referências e contextos diversos da circulação das informações pessoais, reconfigurando, portanto, a lógica do direito à privacidade, que era apenas inicialmente privada e passou a ter uma dimensão pública no que diz respeito à divulgação e ao fluxo das informações pessoais (Frazão; Carvalho; Milanez, 2022, p. 28-29). Os usuários da Internet geram dados e deixam um rastro disponível para os operadores do serviço (nome, senhas, códigos, local de acesso, sites que visitaram, serviços que utilizaram…), produzindo uma espécie de identidade virtual, como condição para o uso do meio. Esses dados, com exceção dos criptografados antes da transmissão, não gozam de proteção absoluta, vulnerabilizando o usuário dos serviços ao prestador do serviço, principalmente em situações nas quais as pessoas não querem que outros tenham acesso ou transmitam informações pessoais (Fachin, 2023, p. 39-53). Com a ascensão das chamadas BigTechs – empresas de tecnologia que têm seus modelos de negócio baseados no uso intensivo de dados – esses riscos foram agravados (Morozov, 2018, p. 144). Essas empresas coletam, armazenam, analisam, interpretame perfilamos dados dos usuários, transformando as informações em ativos financeiros, ou seja, com valor econômico, que são negociados de acor-
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