445 Luan Tomaz Ferreira, Daniel Kessler de Oliveira e Diogo Machado de Carvalho colocam em xeque a adequação do emprego das tecnologias de reconhecimento em vista da inviolabilidade de direitos fundamentais (O’flaherty, 2020, p. 170-173). Sobre esse aspecto, a utilização de tecnologias de reconhecimento facial tem potencial de afetar, em intensidades variadas, uma série de direitos fundamentais. O exemplo mais evidente, sem qualquer dúvida, é o direito à privacidade, seja em razão do próprio uso da tecnologia, seja em razão das grandes limitações técnicas dos sistemas de comparação e processamento de imagens (Junior; Macri; Frontini, 2023, p. 5). A restrição quanto àmaneira e à extensão do uso da tecnologia pelas autoridades policiais, bem como o impacto desse uso nos direitos fundamentais, juntamente com a escassez de informações abrangentes e publicamente disponíveis sobre sua aplicação efetiva, acaba restringindo a capacidade de conduzir uma análise objetiva sobre suas implicações nos direitos fundamentais. Em particular, há de se ressaltar que não existem leis ou outras orientações detalhadas sobre a utilização da ferramenta no âmbito da persecução penal em território brasileiro, inviabilizando, portanto, definir quem será incluído em potenciais listas de vigilância (O’flaherty, 2020, p. 170-173). Efetivamente, ainda que nas hipóteses de perfeito funcionamento técnico dos sistemas de reconhecimento facial, a dignidade da pessoa humana pode ser amplamente afetada, na medida em que não há consentimento ou possibilidade de recusa para a captação dos dados pessoais, independentemente de, por exemplo, existir alguma objeção de ordem religiosa por parte da pessoa cuja imagem é coletada, conforme demonstra Elizabeth Rowe em estudo analisando o impacto de tecnologias de coleta de dados biométricos na esfera da liberdade religiosa (Rowe, 2020, p. 31). Conforme bem enfatizam Kristine Hamann e Rachel Smith, precisamente em razão dessa forma involuntária de captação de dados, a tecnologia de reconhecimento facial afeta indiretamente as liberdades de reunião e de expressão, na medida em que o mero receio de estar sendo vigiado e facilmente identificado acarreta uma série de bloqueios para as livres manifestações. Dido de outro modo, a tecnologia de reconhecimento facial possui propensões a estimular a autocensura, impactando diretamente o direito à livre manifestação do pensamento (Hamann; Smith, 2019, p. 13).
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