Big data e inteligência artificial: a ascensão das técnicas digitais de controle social 254 culados a grandes corporações tecnológicas e governos, que obtêm para si o poder de manipular e influenciar, direta ou indiretamente, a forma de pensar e de agir dos seres humanos. O dataísmo, orientado pelo mantra da transformação de tudo em dados e pela noção de exercer o seu poder a despeito de qualquer ideologia, de forma neutra e racional, contradiz-se justamente neste ponto, ao, através de sua forma de conceber o mundo2, transformar-se em ideologia, ainda que pretensamente amparada pela razão, tal como ocorrido com o “primeiro” Iluminismo (Ramírez, 2020). Shoshana Zuboff (2020) descreve, ainda que de forma indireta, os efeitos e consequências da expansão dataísta sobre todos os aspectos da vida e do cotidiano na era por ela denominada de era do capitalismo de vigilância. Hoje, o poder totalizante dos dados e da renderização de pessoas através dos dados ultrapassaram o mundo virtual e expandiram-se, também, para o mundo real, através da internet das coisas, apta a concretizar a utopia dataísta como descrito por Han. Segundo a autora: Hoje, a coisa real alimenta e inspira a retórica capitalista de vigilância conforme os líderes promovem as ferramentas e visão que darão vida às ideias do velho professor, ou melhor, trarão para a nossa vida. Os processos de normalização e habituação já começaram. Nós vimos que a busca de certeza pelo capitalismo de vigilância (o mandato do imperativo de predição) requer uma aproximação contínua da informação total como a condição ideal para a inteligência de máquina. Na trilha da totalidade, os capitalistas de vigilância ampliaram seu escopo do mundo virtual para o real. O negócio da realidade renderiza todas as pessoas, coisas e processos como objetos computacionais numa interminável fila de equivalência sem igualdade. Agora, à medida que o negócio da realidade se intensifica, a busca da totalidade necessariamente leva à anexação de “sociedade”, “relações sociais” e processos sociais básicos como novos terrenos para renderização, cálculo, modificação e predição. A ubiquidade do Grande Outro é reverenciada como inevitável, mas este não é o objetivo final. Nessa nova fase, a meta é alcançar abrangente visibilidade, coordenação, confluência, controle e harmonização dos processos so2 Sobre a categoria “ideologia”, nos referimos ao termo na concepção abordada por Marx e Engels, como uma concepção de mundo distorcida ou falsa, mas que o sujeito acredita ser a própria realidade em sua forma verdadeira (MARX, 2017b).
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