103 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 ser colhida se irrigada com o risco – exceção – para outros. Apesar de não ser essa proposta nova, já que situada na segunda metade do século XVIII, ela serve para firmar a compreensão de que a definição de normalidade e de risco são móveis e, portanto, suscetíveis às disputas no âmbito da sociedade. A segunda característica concebe que a concorrência gerada a partir dessa compreensão de mercado provoca a aceleração do tempo no mundo. Conforme Hartog,191 em um primeiro recorte, é possível compreender que nas sociedades pré- modernas, o passado era a categoria dominante do regime temporal. Em seguida, a partir das revoluções burguesas no século XVIII e com as revoluções industriais no século XIX e XX, a concepção de progresso faz com que o regime de temporalidade passe a ser regido pela perspectiva de futuro.192 Porém, em um terceiro momento, diante das atrocidades das primeiras décadas do século XX, o que inclui as duas guerras mundiais,193 a confiança no progresso foi se esmaecendo194 e após a revolução informática, a financeirização da economia e a globalização como um todo a regência da percepção de tempo se dá pelo presente.195 Nesse contexto, sem apego a referências de passado ou futuro, toda a energia é direcionada ao esgotamento, via apropriação, das possibilidades que o presente oferece. A forma que essa apropriação de possibilidades ocorre é a concorrência.196 Ampliar a concorrência significa constituir novas normalidades com riscos cada vez maiores. Dessa forma, com a flexibilização 191 HARTOG, François. Régimes de historicité: présentisme et expériences du temps. Paris: Seuil, 2003. 192 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 182-184. 193 ANDERS, Günther. A ameaça atômica: reflexões radicais sobre a era nuclear. Tradução: Gabriel Valladão Silva. São Paulo: n-1, 2023. 194 BENJAMIN, Walter. Teses sobre a filosofia da história. Sobre arte, técnica, linguagem e política. Rio de Janeiro: Relógio d’Água, 2012. p. 135. 195 HARTOG, François. Chronos: L’Occident aux prises avec le Temps. Paris: Gallimard, 2020. p. 11-12. 196 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução: Maria Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016.
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