Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

104 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 de regulamentações ou mesmo a ausência de marcos normativos comuns para novas realidades, como no caso da inteligência artificial, a concorrência aumenta proporcionalmente à velocidade197 do incremento das crises decorrentes dessa dinâmica, como a crise climática, a política, a econômica e a jurídica, configurando um cenário multicrítico. Por último, a terceira característica é a proporção do risco gerado: o colapso da humanidade. Enquanto, o que pode ser entendido como velhas crises se limitava à existência de ditaduras, conflitos armados internos ou disputas pela soberania de determinado território/país, como foi o caso das ditaduras latino-americanas, o Apartheid, ou, ainda, os conflitos internos em Ruanda ou na ex-Ioguslávia nas décadas de 1990, no âmbito das novas crises198 há, diante da confluência das duas características anteriores, a existência do risco de extinção da vida humana.16 Portanto, a partir dessa tríade, o máximo do risco, alimentado pela máxima aceleração da concorrência, leva ao colapso, que pode ser entendido como a máxima desordem. Enquanto arte de governar marcada por técnicas de controle sobre a sociedade e de autolimitação do próprio Estado, o liberalismo atua como um princípio de legitimação das ações estatais em contextos que exigem justificativas – sendo o ponto de partida da racionalização da atividade governamental desde o século XVIII. Para Foucault, é fundamental estudar o liberalismo como matriz do neoliberalismo, uma vez que este só se torna viável a partir das crises internas daquele. As crises do liberalismo não podem ser entendidas apenas como uma simples extensão ou reflexo direto das crises do capitalismo na esfera política. Embora existam momentos em que ambas estejam conectadas, é possível identificar crises do liberalismo que não coincidem temporalmente com as crises econômicas do capitalismo. Além disso, as formas pelas quais essas crises se expressam, são enfrentadas, provocam respostas e 197 HARTOG, 2020, op. cit., p. 313. 198 Como exemplos podem ser indicados o risco de guerra nuclear, o aquecimento global e novas pandemias de doenças ainda desconhecidas.

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