108 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 e as determinações de quem deveria morrer e viver foi a prova de que os interesses do mercado ocuparam o lugar da soberania. Por isso, nos ocupamos de entender sobre a pertinência de aplicar para essas novas crises as medidas de justiça de transição. Se a resposta é positiva, haveria mecanismos mais importantes do que outros para enfrentá-las, como por exemplo a memória produzida especialmente por meio dos testemunhos? Esta é uma questão essencial quando afirmamos que o risco de colapso da humanidade constitui a terceira característica das novas crises que apontamos. Esse problema nos conduz a uma reflexão crucial sobre a necessidade de respostas cosmopolitas para riscos dessa magnitude. De fato, as crises históricas que marcaram o século XX, como discutimos, estavam frequentemente associadas a regimes autoritários e conflitos internos. Ditaduras, presentes em diversas partes do mundo, resultaram em graves violações dos direitos humanos, enquanto os conflitos internos, por sua vez, frequentemente desencadearam a desestabilização política e social. Tais crises exigiram respostas políticas centradas na construção de sistemas democráticos mais robustos. A democracia, com seus valores de liberdade, igualdade e justiça, surgiu como um antídoto necessário à repressão e às tensões internas, representando uma forma de governança capaz de mitigar os efeitos dessas situações extremas. No entanto, as novas crises que emergiram nas últimas décadas, como aquelas provocadas pela governabilidade neoliberal, cuja expressão mais marcante é o capitaloceno, demandam uma abordagem mais complexa e global. A crise sanitária provocada pela covid-19 exemplifica claramente como uma pandemia pode se espalhar rapidamente pelo planeta, expondo a fragilidade das respostas políticas locais e a indiscutível interdependência das nações. Autores como David Held e Daniele Archibugi205 argumentam que essas novas crises não podem ser 205 ARCHIBUGI, Daniele; HELD, David. La démocratie cosmopolite: acteurs et méthodes vingt ans plus tard. Cahiers philosophiques, v. 218, n. 1, p. 9-29, 2012. Dis-
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