Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

24 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 acumulação, da exploração e do descarte – inclusive de vidas humanas – em uma mercantilização dos corpos. As emergências sanitárias, como a pandemia de covid-19, são expressão direta desse contexto. Elas não surgem no vazio, tampouco representam eventos isolados. São, ao contrário, manifestações de uma crise sistêmica que entrelaça a devastação ambiental, a precarização da vida e a fragilidade das instituições públicas diante da lógica neoliberal global. A pandemia, portanto, não foi um raio em céu azul. Foi, antes, a ramificação visível de raízes profundas que conectam degradação ecológica, colapso de sistemas de saúde, necropolítica e desigualdade estrutural. No continente latino-americano, esse evento extraordinário escancarou o ordinário da violência social: governos erráticos, decisões irresponsáveis, omissões deliberadas e violações massivas de direitos humanos. Tanto atores estatais quanto privados atuaram – ou deixaram de atuar – de maneira a intensificar os efeitos da crise sanitária. É nesse contexto de crises, velhas e novas, que emerge a pergunta central desta obra: é possível acionar os mecanismos da Justiça de Transição, historicamente associados à superação de regimes autoritários, para responder às violações produzidas durante a pandemia de covid-19? A Justiça de Transição, tradicionalmente, enraíza-se em contextos de ruptura com ditaduras ou conflitos armados. Seus pilares – memória e verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição – foram inicialmente concebidos para lidar com o passado autoritário. Mas, e quando o presente se mostra igualmente violento? E quando as ramificações da injustiça seguem crescendo em meio a democracias formalmente instituídas, mas esvaziadas de compromisso com a dignidade humana? Para essa travessia conceitual e metodológica, esta obra adota como farol interpretativo a fenomenologia hermenêutica. A partir dela, entende-se que toda investigação parte de uma condição situada no mundo, e que a compreensão do fenômeno da crise – e das formas de justiça que dela decorrem – exige

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