31 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 massivas que também ocorreram no passado. O reconhecimento do contexto de crise deriva de uma certa definição que se sedimenta a partir de um conjunto de autores considerados. Podemos, então, começar o percurso com Reinhart Koselleck. Em 1954 ele publicou um livro farol, resultante de sua tese de doutorado, intitulado Crítica e crise: patogênese do mundo burguês. Na obra, ele demonstrou que a crise que desembocou no surgimento do Estado moderno somente existiu enquanto tal porque foi precedida da crítica moral dirigida contra os detentores do poder no período pré-revolucionário, na França. Numa extensa nota de rodapé7 do livro mencionado Koselleck afirma que a palavra “kritic” tem em comum com a palavra “krise” a origem grega, ambas derivadas do radical “kri”. Koselleck destacou que “crise” significa, em primeiro lugar, separação e luta mas, também, decisão no sentido de um julgamento – um ato de julgar – , de uma recusa definitiva que, no tempo em que sua obra foi escrita, também era significado que pertencia à crítica. Desse ponto de vista a palavra crise tinha um emprego jurídico, no sentido de processo e de uso no tribunal. Entretanto, mais adiante Koselleck disse que a palavra “crítica” como ato de julgar, de proferir um juízo dominou a vida pública, enquanto que “crise” como ordem jurídica no sentido grego, desaparece. Ainda, na definição empregada na língua helênica, a palavra crise descrevia uma situação de alternativas extremas, sem possibilidade de revisão, tais como “sucesso ou fracasso, justiça ou injustiça, vida ou morte, por fim, salvação ou perdição”.8 No latim a palavra “crise” aparece no mundo médico9 como julgamento, nada mais do que uma apropriação do sentido usado no mundo jurídico. Assim, durante o período medieval a palavra restou restrita a esse campo e designou o estágio crítico e decisivo de uma doença para o qual não havia, ainda, 7 KOSELLECK, R. Crítica e crise. Uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de janeiro: Contraponto, 1999. [E-book], local 3099 a 4063. 8 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 214. 9 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 214-215.
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