Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

32 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 uma decisão definitiva sobre a salvação ou a morte. Segundo Koselleck, esse sentido da palavra se manteve do século XVIII até o século XX. Já, no âmbito da teologia, precisamente no novo testamento, identifica-se um sentido associado a juízo de Deus, perspectiva que também é marcada por uma alternativa ou desfecho irretratável. Tanto o juízo teológico como o referente à prática medicinal coexistiram da antiguidade românica até a primeira modernidade10. A partir de então, Koselleck11, na obra História de Conceitos, publicada nos anos 70 do século XX, identificou três opções semânticas para a palavra crise: a) processual; b) temporal; c) inflexiva. No primeiro sentido12 – processual – , tem-se um conceito segundo o qual interpreta-se a história como uma situação de crise permanente. Essa perspectiva concebe o próprio desenvolvimento histórico como uma espécie de julgamento.13 É possível identificar aqui uma espécie de secularização do juízo, que não é mais protagonizado por um deus, mas pela própria história. Esse primeiro sentido pode ser associado ao pensamento dos liberais do século XVIII para justificar a legitimidade moral de suas ações revolucionárias ou, ainda, ao pensamento imperialista e darwinista, considerando que nessa perspectiva a prevalência do mais forte era o indicativo de que a justiça histórica se constituía a partir da dominação. A compreensão do mundo como um tribunal do próprio mundo tem como consequência 10 BECK, Ulrich. A sociedade de risco. Rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2002. Para Beck ela teve início no século XVII, coincidindo com a Revolução Industrial e o surgimento do capitalismo. Teve fim no início do século XX para dar lugar ao que ele denominou de “modernidade reflexiva”. 11 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 218 12 CATROGA, Fernando. A história do mundo como tribunal do mundo. Sæculum – Revista de História, João Pessoa, n. 21, jul./dez. 2009. Disponível em: https:// periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/srh/article/view/11468/6580. Acesso em: 1 maio 2024. 13 Essa abordagem se estabelece a partir de uma frase de Friedrich Schiller “Die Weltgeschichte ist das Weltgericht”, que surge como um verso de Resignation Eine Phantasie.

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