34 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 tecimentos poderia ser bruscamente alterado a partir de uma determinada conjuntura, isto é, a crise seria o prenúncio de um processo revolucionário. Nesse modelo, “a crise em que nos encontramos num dado momento como a grande e única decisão final, depois da qual a feição futura da história será complemente diferente”.19 Trata-se de se situar em um “ponto absolutamente mais baixo da história”20 e projetar a partir desse recorte “a reviravolta rumo à redenção”.21 Apesar da proposição desse terceiro modelo como uma referência de projeção idealizada, há a ressalva de que “em vista dos meios de autodestruição atualmente disponíveis, já não podemos descartar a conclusão de que ele tem todas as chances de se realizar”.22 Aqui, por exemplo, situam-se os representantes da corrente jacobina23 da Revolução Francesa ou mesmo o viés marxista de que a última crise do capitalismo será sucedida pela libertação da dominação e abolição das diferenças de classe. Ao comentar os sentidos24 desenvolvidos por Koselleck, em Crítica e Crise, Paul Ricœur25 – ao qual voltaremos – aponta que o exercício da crítica, que consiste em última análise na ap19 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 222. 20 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 222. 21 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 223. 22 KOSELLECK, 2020, op. cit., p. 218. 23 Formada por um grupo político revolucionário que teve papel central na Revolução Francesa. 24 Na abordagem realizada por Ricœur existem referências que se aproximam dos sentidos identificados na obra póstuma, mas os sentidos indicados sobrepõem- -se na análise dos processos revolucionários burgueses do século XVIII. O papel da crítica também pode ser identificado na introdução de A Crítica da Razão Pura de Kant: “Nossa época é a verdadeira época da crítica a que tudo tem de submeter-se. A religião, por meio de sua sacralidade, e a legislação, por meio de sua majestade, querem em geral escapar a ela. Desse modo, porém, levantam contra si uma legítima suspeita e não podem aspirar ao sincero respeito que a razão dedica apenas àquele que pôde suportar o seu livre e público teste”. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4. ed. Tradução: Fernando Costa Mattos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. p. 19. 25 RICŒUR, Paul. La crise: un phénomène spécifiquement moderne? Revue de Théologie et de Philosophie, Troisième série, v. 120, n. 1, p. 1-19, 1988a. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/44356679. Acesso em: 1 maio 2024. p. 4.
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz