Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

35 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 tidão de discernir entre o certo e o errado a partir de esforço de uma dada racionalidade,26 foi substituído pela crise. Isso ocorre quando a compreensão de que um progresso interminável e contínuo – referido no segundo sentido moderno descrito acima – provoca um juízo constante a respeito das decisões políticas necessárias. O discernimento dos rumos a serem tomados ocorre com o julgamento dos fundamentos que decorrem da filosofia da história. Dessa forma, o ponto necessário de mudança brusca dos rumos da história, para um futuro necessariamente melhor, ocorreria como uma espécie de juízo entre os detentores da crítica contra os tiranos, responsáveis por uma certa situação de decadência. O juízo, traduzido não raras vezes em guerra civil, seria um passo necessário para o desenvolvimento da crença em um progresso contínuo da humanidade.27 Nesse sentido, “mesmo que se recorresse à violência, a vitória iria coroar a inocência”.28 Em linhas gerais, o exercício da crítica, como racionalidade própria dos indivíduos, seria o critério último do juízo histórico necessário para que houvesse a redenção da história traduzida em progresso. O tensionamento da oposição deste juízo último frente às instituições do presente gera o que se reconhece como o cenário de crise. É importante considerar que esse sentido político de crise surgiu no tempo das guerras religiosas na Inglaterra do século XVII. Nesse caso o conceito médico foi transposto para a política. A doença atingiu o corpo do Estado. O termo reapareceu no final do século XVIII na França e nos Estados Unidos durante as guerras por independência. Koselleck afirmou que a ruptura dos americanos com a metrópole representou além da luta, uma crise. Mas ele esclareceu o sentido que o termo crise adquiriu, ou seja, para o Estado, a guerra civil decorrente dos movimentos de independência era uma crise. Para o cidadão, era um tribunal. 26 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 99. 27 RICŒUR, 1988, op. cit., p. 5. 28 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 157.

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