36 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 Ácido, Koselleck29 afirma que a filosofia da história que considerava a guerra civil como um tribunal moral acreditava que a crise teria um fim favorável, apesar da insegurança social que a guerra provocava. Na introdução30 do livro Crítica e Crise ele deixa claro que a separação feita pelo Estado no século XVIII entre política e moral voltou-se contra o próprio Estado. O Estado obrigou-se a aceitar um processo moral. A formação da modernidade europeia dos séculos XVII e XVIII é o alvo da atenção de Koselleck em cujo contexto a crítica é entendida como a oposição da consciência moral privada a toda a ação da esfera pública. Koselleck lembra que foi a crítica surgida nos círculos intelectuais do século XVIII ao exercício do poder absolutista que, por ter ficado ignorada, lançou as bases da crise representada na Revolução francesa e pelo que adveio depois dela. Formada no âmbito dos segredos do mundo maçônico e no mundo das letras31 portanto, à sombra do Estado, a autoconsciência moral do cidadão rejeitou o absolutismo por ilegítimo. Essa rejeição é que, segundo Koselleck, justamente tomou a forma de utopia, ou seja, de crença no progresso e em construções fictícias e extraordinárias de futuro. Existia, como mostra o Crítica e Crise, uma hipocrisia fundamental nesse processo justamente porque a crítica obscurecia seu caráter real de reivindicação política, ignorando, com isso, os riscos e as consequências da sua ação. Mesmo sabendo distinguir a “verdade da opinião, o direito da autoridade, o dever do interesse, a virtude da fama”, nas palavras de Koselleck, preso a essas posições dualistas, ao crítico escapava o significado histórico do processo que ele próprio desencadeou. Para ele, para um crítico “superior” o “verdadeiro crítico é o juiz, não o tirano da humanidade”32. Nesse sentido, segundo sua percepção, a crítica ultrapassou seu objetivo primeiro e 29 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 156. 30 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 204. 31 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 88. 32 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 106.
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz