37 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 consistiu no “motor da justiça em causa própria” produzindo, com isso, seu próprio ofuscamento. Há uma passagem final interessante em Crítica e Crise que vale a pena ser registrada, correndo-se o risco da repetição, sempre fatigante. Koselleck33 é implacável ao afirmar que a crítica burguesa foi a responsável pela crise, da qual, parece, não nos desvencilhamos até hoje. Ele afirma que a crítica política indireta produzida pelos intelectuais dos oitocentos e que se referia a um futuro utópico, encontrou sua realização aparente na filosofia da história que garantia a efetivação dos vereditos burgueses. Tais vereditos projetavam um futuro promissor e, com isso, o fim da crise. Então, ele destaca que, graças à filosofia da história, a crise estaria superada. Para ele, no entanto, nessa superação ilusória repousava o seu agravamento. O que fizeram os críticos burgueses, segundo ele, foi transformar a história em um processo judicial, do qual derivou a crise. O novo homem que surgiu, com o fim do absolutismo, acreditava que sua garantia moral poderia ser aplicada à história e à política, uma vez ter-se convertido em filósofo da história. Para esse último, a guerra civil existia – e permanece até hoje – mas, como afirma Koselleck34, ela foi minimizada por essa filosofia da história para qual a decisão política seria produto da previsibilidade e de um processo suprapolítico e moral. Disse ele: “Mas ao minimizá-la, agravava-se a crise”. Em virtude desse quadro Koselleck chamou a atenção para o fato de que a crítica moral atingiu a atividade política da época em si mesma, ou seja, não foi apenas a política absolutista que foi destruída mas, também, a própria política como constitutiva da vida social e tarefa inexorável da existência humana foi reduzida a pó, cujo lugar foi ocupado pelas construções utópicas de futuro que se afastaram do mundo da vida e da experiência. Tratou-se de uma sorte de alienação que devemos debitar ao trabalho da filosofia da história, única concepção atri33 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 158. 34 KOSELLECK, 1999, op. cit., p. 160-161.
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz