Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

41 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 palavras, tratar-se-ia de uma ausência de solução que conduziria a um novo mecanismo de regulação, a uma transformação evolutiva que poderia ser tanto positiva quanto negativa. Isso ficou particularmente visível e foi enormemente sentido durante a crise sanitária, por exemplo. É bastante legítimo questionar se as perturbações e fatos que experimentamos foram decorrentes tão-somente do vírus ou se eram preexistentes, latentes e o vírus foi apenas o desencadeador de uma perturbação interna já muito presente e que só esperava um pretexto para se manifestar ou, pelo menos, se revelar a todos. De fato, os estudiosos do antropoceno39 revelam que a intervenção humana sobre a natureza surgida e estimulada na modernidade especialmente pelo uso da técnica, constituiu-se numa força telúrica que produziu consequências em razão da intervenção humana sobre a natureza, cujo efeito maior é o estado de emergência climática. Seria um risco potencial, já antecipado à comunidade internacional, mas que os governantes ignoraram? Vinculado à perturbação que faz progredir as incertezas, abre-se um cenário de desordens em cadeia no campo econômico-político, situação que enfraquece a previsibilidade e provoca o aparecimento de soluções autoritárias. Essa é a segunda característica apontada por Morin. Didier Fassin40, ao definir economia moral como a produção, circulação, apropriação e contestação de valores diante de realidades socialmente constituídas, menciona justamente a pandemia de covid-19 como o período que melhor desvelou esse fenômeno. Isso ocorreu, segundo Fassin, quando as decisões políticas privilegiaram a longevidade das pessoas sobre a dignidade da existência em razão do isolamento forçado e quase completo dos mortos pelo vírus. O resultado visível foi a desconexão radical entre a vida como fenômeno biológico e como fenômeno biográfico. A aproximação dessa afirmação com a ideia de perturbação, é inafastável. 39 MAGNY, Michel. L’anthropocène. Paris: Que sais-je? Humensis, 2021. 40 FASSIN, Didier (dir.). Vies invisibles. Morts indicibles. Paris: Collège de France, 2022. p. 12-13.

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