42 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 Não é diferente a crítica de Achille Mbembe41 ao destacar que a igualdade perante a morte causada pelas grandes pandemias não passou de um mito. Severo, ele pergunta como reconhecer um Estado que, no lugar de defender a sociedade volta- -se contra a população? De fato, mesmo que a economia tenha reduzido sua velocidade, diz ele, numerosos “ateliers de misère” foram mantidos abertos, como “centros de distribuição, de dados, fazendas industriais, usinas de transformação de carne e de outros dispositivos do capitalismo de plataforma.” Logo, Mbembe também aproxima-se de Morin para quem a crise apresentaria uma disrupção que apareceria na forma de perturbações que poderiam sinalizar tanto a origem da crise quanto o seu resultado. Nota-se que independentemente de a crise ser interna ou externa, o resultado é que o sistema ficaria sobrecarregado e o sistema regulatório revelaria suas falhas na forma de incapacidade para reprimir desordens. Para Morin42, as regras habituais que garantiriam a estabilidade, nas crises, deixariam de funcionar e de oferecer solução para os problemas provocados por ela. A consequência seria o aumento de desordem e de incerteza. Ora, como acentua Mbembe, no momento do confinamento durante a crise pandêmica de covid-19, uma grande parcela da população teve que se movimentar. A alternativa era entre “o vírus e a fome”. A precariedade dos meios de deslocamento e de circulação expôs esses indivíduos a enormes riscos, especialmente a camada mais pobre da população. E, no momento do desconfinamento, segundo ele, a ordem foi a de relançar a economia, pois os mortos morreriam, de todo modo, cedo ou tarde. Para o livre mercado, o direito de existir ou de sobreviver converteu-se em especulação submetida às flutuações do mercado. Nas palavras de Mbembe é necessário colocar o ganha-pão na esfera do “acaso e da incerteza”43. Nada mais adequado para confirmar a tese de Morin. 41 MBEMBE, Achille. La communauté terrestre. Paris: La Découverte, 2023. p. 166. 42 MORIN, 2012, op. cit. 43 MBEMBE, 2023, op. cit., p. 166.
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