46 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 “saudável” de soluções leva, assim, a reforçar a ambiguidade e a complexidade das crises porque essas duas formas se cruzam, “se influenciam e se destroem na desordem”. A patologia apresenta-se na forma de antagonismos. Por exemplo, visto nas atitudes negacionistas de governos, como ocorreu no Brasil com a trágica gestão da crise sanitária por Jair Bolsonaro51. A solução saudável aparece na forma de novas solidariedades, como na partilha de equipamentos e fornecimentos de medicamentos entre estados da federação, por exemplo. O texto de Morin mostra que a crise é um revelador, porquanto ela permite ver claramente as forças e os limites das normas do sistema que por vezes eram latentes, ocultos ou virtuais. Ela também desvelou a dimensão dos efeitos da intervenção humana sobre a natureza. Ela é também um antecipador (no sentido de que traz à tona a possibilidade de mudança), porquanto carrega dentro de si as sementes de uma transformação. Essa é toda a questão do próximo mundo, do Toute monde mencionado por Édouard Glissant52, das gerações futuras e da comunidade humana. 51 Conforme apontou o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia de covid-19, realizada pelo Senado Federal, “Bolsonaro procurou emular Trump em seu negacionismo referente à pandemia e em seu desdém relativo à gravidade da situação sanitária mundial, nas suas críticas ao uso de máscara e ao isolamento social, no menosprezo da gravidade da pandemia, na recusa em coordenar efetivos esforços nacionais para a contenção da epidemia, na crítica a governadores e prefeitos que adotavam o lockdown, na divulgação de fake news sobre a pandemia, na promoção de medicamentos ineficazes”. Ainda, o relatório destaca que “o negacionismo e a estratégia da imunidade de rebanho não foram apenas uma política setorial do Ministério da Saúde, embasada em fatores e interesses endógenos, mas também uma política ampla de todos os setores governamentais, alinhada a interesses geoestratégicos estrangeiros”. Ver: BRASIL, Senado Federal. CPI da pandemia: relatório final. Brasília: Senado Federal, 26 out. 2021a. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/ documento/download/72c805d3-888b-4228-8682-260175471243. Acesso em: 16 abr. 2025. Uma análise completa feita a partir dos elementos extraídos da CPI da pandemia pode ser vista em: RODRIGUES, Randolfe; COSTA, Humberto. A política contra o vírus. Bastidores da CPI da covid. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 52 GLISSANT, Édouard. Philosophie de la relation. Poésie en étendue. Paris: Gallimard, 2009. p. 40.
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