48 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 que mobiliza recursos conceituais bastante convencionais, desgastados, inoperantes e insuficientes. Para Edgar Morin, o pensamento complexo é uma escola de humildade, que consiste em reconhecer a própria incapacidade de apreender tudo, de compreender tudo. É também uma escola de ação e otimismo. Edgar Morin convida-nos a cultivar “a arte do desvio”, ou seja, a capacidade para um pequeno número de indivíduos, num complexo e sistema instável, de impactar o sistema para transformar um desvio em uma tendência. De modo que se a crise permite, assim, trazer à tona iniciativas, articulações e investimentos, é adequado reconhecer que para compreender o comportamento dos Estados em face da pandemia, é preciso olhar para dois horizontes: o da experiência e o da expectativa. 1.1.3 A crise na perspectiva do horizonte de expectativa e do espaço da experiência: a interpretação de Ricœur Depois de Koselleck e Morin, no final dos anos oitenta do século passado, Paul Ricœur perguntou se a humanidade vivia uma crise sem precedentes na história, ou seja, não temporária e sim permanente. A pergunta lançada deu-se no contexto preciso das preocupações de Ricœur com a modernidade. Considerando-a, ele lançou duas questões verdadeiramente essenciais: a) será a modernidade uma causa de crise generalizada? b) ou, será que assistimos antes uma crise da própria modernidade?55 Para responder a essas pertinentes inquietações, Ricœur transitou no âmbito do que denominou de “conceitos regionais de crise” evoluindo para um conceito global. Quanto aos primeiros56 identificou quatro ou cinco pontos de irradiação de crises. O primeiro é o de origem médica, carac55 RICŒUR, Paul. Será a crise um fenômeno especificamente moderno? Essa é uma versão traduzida do texto originalmente publicado na Revue de Théologie et de Philosophie, n. 120, p. 1-19, 1988b. p. 1. Disponível em: https://www.uc.pt/ fluc/uidief/textos_ricœur/crise_fenomeno_moderno. Acesso em: 2 jul. 2023. 56 RICŒUR, 1988b, op. cit., p. 2-9.
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