Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

51 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 perguntas formuladas, isto é, se o liberalismo econômico é o ingrediente principal – a força motriz da modernidade ocidental – a crise econômica significa para o ocidente a crise da modernidade e, por outro lado, é a crise da própria modernidade tal como a define o mundo ocidental. Em outros lugares do globo, nos quais o liberalismo econômico não foi e não é determinante e, por essa razão, chocou-se com outras culturas, obrigou-as a repensar suas estruturas não em termos somente econômicos, mas também ideológicos, na medida em que o mercado apresentou-se como um agente autônomo. Ricœur64 é incisivo: “A crise desloca-se assim do plano econômico para o plano das representações do fenômeno social global”. É evidente, aqui, a aproximação de Ricœur com a menção de Koselleck acerca da utopia do progresso, motivadora da crise. Segundo, o interesse decorre, igualmente, do fato de que se a mundialização se expande geograficamente, a crise econômica assume uma dimensão também política como foi, para ele, a crise dos anos setenta do século passado por ter atingido as respostas dos Estados à crise. Ao olhar para essa crise especialmente e para as respostas das políticas estatais a ela, Ricœur identificou uma falha na sua resolução. A correspondência dessa afirmação com a crise sanitária que vivemos durante quase três anos e cujos efeitos ainda são profundamente sentidos, pode ser parcialmente aceita. Situado na realidade do tempo em que o texto foi escrito, Ricœur65 mencionou que “a crise, na qual ainda vivemos, é sentida como mais profunda porque o político (o Estado mais precisamente) está mais intimamente ligado à sociedade global do que o econômico e porque não existe igualmente um Estado mundial com o mesmo tamanho que a crise.” Se é verdade que até hoje esse Estado mundial não existe e é, de fato, tão indesejado quanto, talvez, impossível, não podemos duvidar que a falta de padrões comuns universalizáveis em ma64 RICŒUR, 1988b, op. cit., p. 8. 65 RICŒUR, 1988b, op. cit., p. 8.

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