55 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 recuo, a partir de uma evolução que vem de longe. Ou, por outro lado, no exercício da comparação, devemos ler o presente com distância. Mesmo assim, ele reconhece, ambos os caminhos podem ser insuficientes para ler o presente, sobretudo porque muitas interpretações da modernidade estão em competição. A primeira estaria associada ao individualismo, tal como se lê na conhecida obra de Louis Dumont80, na qual o indivíduo seria superior à coletividade e, justamente nisso, surgiu a variante do liberalismo econômico. A crise estaria radicada na própria sociedade moderna, o que explicaria a alternativa da sociedade pós-moderna. Então, nos anos 1980 ele perguntava se a crise não seria a hesitação na sociedade tradicional, na sociedade moderna e na sociedade pós-moderna. A segunda identifica nos ensinamentos dos teóricos da Escola de Frankfurt a explicação para a crise da própria modernidade quanto aquela que a modernidade criou. Ao tornar-se racionalidade instrumental, a racionalidade moderna, esgotou seu potencial de libertação. Com isso pergunta Ricœur se a pós-modernidade seria a crise da modernidade. Por terceiro, tomando o niilismo de Nietzsche, o autor indica que o humanismo moribundo que a obra do filósofo denunciou seria a crise da própria modernidade. Em quarto lugar, a partir da crítica heideggeriana à metafísica, ele afirma que o humanismo depois de ter sido o promotor da crise converteu-se no lugar dela e, depois, em sua vítima por “decomposição interna”. Ricœur81 identificou como elemento comum nessas diversas interpretações da crise da modernidade a existência simultânea de duas crises: a da sociedade tradicional sob pressão da sociedade moderna e a dessa última como “produto abortado”da sociedade tradicional. Por isso, ele retornou à indagação feita: como fazer uma avaliação global do presente? Primeiro, é que as diferenças de interpretação entre modernidade e pós-modernidade testemunham o caráter equivocado do presente. Então, a falta de consenso é o que, para ele, 80 DUMONT, Louis. Essais sur l’individualisme. Une perspective anthropologique sur l’idéologie moderne. Paris: Seuil, 2015. 81 RICŒUR, 1988b, op. cit., p. 13.
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