Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

62 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 contexto da covid-19 porque permite lidar com as crises estruturais e sistêmicas que a pandemia expôs e agravou. Recapitulando Mascareño99 e trazendo ao referido contexto, crises surgem quando um sistema repete decisões passadas sem avaliar sua adequação ao novo contexto, levando a um ciclo fechado que impede a adaptação. Em distintas palavras, trata-se da falta de correspondência entre a experiência e a expectativa, para lembrar mais uma vez Paul Ricœur. No caso da covid-19, muitos governos e sistemas de saúde demonstraram essa rigidez, falhando em responder de maneira eficaz às necessidades emergentes, o que resultou em colapsos hospitalares, desigualdades no acesso à saúde e amplificação de vulnerabilidades sociais. A pandemia seguiu o padrão universal das crises, passando pelas fases de incubação, contágio e reestruturação. Durante a fase de incubação, muitos sinais de alerta, como a fragilidade dos sistemas de saúde e a precarização do trabalho na área da saúde, foram ignorados. No contágio, as consequências da crise se alastraram rapidamente, com impactos além da esfera sanitária, como o aumento da violência doméstica, desemprego e problemas de saúde mental. A fase de reestruturação, por sua vez, exigiu respostas urgentes, que variaram entre reformas setoriais e medidas drásticas que podem ter exacerbado desigualdades existentes. A justiça de transição se torna essencial porque oferece um caminho para lidar com os desequilíbrios estruturais expostos pela crise. A crise da covid-19 não foi apenas um problema sanitário, mas também um desafio jurídico e político, evidenciando falhas na proteção dos direitos humanos, na transparência governamental e na distribuição equitativa de recursos. Seguindo a perspectiva de Luhmann, sistemas jurídicos também são suscetíveis a crises quando enfrentam complexidades que desafiam sua estabilidade100. O direito, assim como a saúde, precisa se adaptar rapidamente a mudanças críticas, e a justiça 99 ROSAS; SEMBLER; TORRES, 2016, p. cit. 100 LUHMANN, 2014, op. cit.

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