Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

64 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 de a mera decadência, erigindo-se como um instante crucial de decisão e julgamento, palco de escolhas radicais entre vida e morte, justiça e injustiça. A gênese da crise, para ele, reside na crítica moral ao poder, deflagrada nas revoluções, especialmente na francesa. A história revela crises imbricadas em rupturas sociopolíticas, ansiando por um futuro promissor, mas amiúde gerando apenas o acirramento dos dilemas preexistentes. Em análise mais conclusiva do pensamento de Morin sobre a crise, especialmente quando utilizada para entender o contexto da pandemia de covid-19, percebe-se que ela é fascinante e iluminadora. Morin irá destacar a crise como agente revelador das fragilidades sistêmicas e prenunciador de transformações. Nesse sentido, a crise escancara a complexidade social, expondo as falhas intrínsecas e a urgência de novas regulações. Em momentos críticos, o sistema desvela seus mecanismos de controle outrora latentes, gerando desordem e incerteza. A ineficácia regulatória pode pavimentar o caminho para soluções autoritárias, como no caso da pandemia, onde medidas drásticas, como os confinamentos, foram adotadas para proteger a saúde, mas com sérias implicações para a dignidade humana e para a equidade social. Esse fenômeno é observado também nas análises de outros pensadores, como Didier Fassin e Achille Mbembe, já mencionados, que destacam como as respostas políticas à pandemia muitas vezes privilegiaram a segurança biológica em detrimento da dignidade humana e da justiça social. A “progressão de incertezas” e a “regressão de determinismos” fragilizam as previsões, que antes eram feitas com base nas regras e ideias do sistema, fertilizando o terreno para novos modelos de regulação e, paradoxalmente, para forças desestabilizadoras e antagonísticas. Por outro lado, Ricœur, em sua análise, questiona se a humanidade enfrentava uma crise sem precedentes, permanente e não meramente temporária. A partir de sua reflexão sobre a modernidade, o autor propôs duas questões fundamentais: se a modernidade era a causa de uma crise generalizada ou se estávamos assistindo à crise da própria modernidade. Para abordá-las, ele elaborou uma série de “conceitos regionais de crise”

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