Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

67 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 das instituições e dos costumes, Boulainvilliers também formulou teses críticas que, em um primeiro momento, favoreciam a nobreza. O nascimento da nação implica duas consequências: (a) tem-se um novo sujeito que articulará a palavra na história e reorientará o passado, o direito, as injustiças, as derrotas e vitórias em torno de si, sob a própria perspectiva, reivindicando uma anterioridade fundante, e também sob a prerrogativa de ser anterior e de ter raízes mais profundas que as próprias instituições estatais; e (b) a nação enquanto sujeito rejeita a legitimidade jurídica ou o discurso administrativo do Estado porque trata-se de um grupo que tem costumes, usos e até mesmo lei particular.102 A nobreza será uma nação em face de tantas outras que estão submetidas ao mesmo Estado em uma lógica interacional de oposição recíproca.103 Dada a existência de várias outras nações coexistentes no mesmo território, torna-se necessário, ao menos em um primeiro momento, o cuidado para que o exercício de oposição do saber histórico por parte da nobreza não se perverta em discurso favorável a um projeto burguês de poder. Isso ocorre de um modo que o saber que constitui a nobreza enquanto nação reivindica as liberdades frente à monarquia, mas, já em relação aos burgueses, defende direitos ilimitados fundados em um suposto direito de conquista, nos moldes hobbesianos.104 Ao reconhecer a aristocracia franca como nação que disputa o poder com outras nações dentro do mesmo Estado, Boulainvilliers promove uma nova generalização da guerra, não mais a partir da interação de massas indefinidas de pessoas, mas de grupos que percorrem não apenas o corpo do Estado, mas também a história do corpo social.105 A partir deste ponto, Foucault desenvolve ao menos cinco considerações. A primeira implica reconhecer a guerra não mais como ato que viola o direito; pelo 102 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. 2. ed. Tradução: Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 112. 103 Ibidem, p. 113. 104 Ibidem, p. 121. 105 Ibidem, p. 137.

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