68 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 contrário, tem-se na guerra entre as diferentes nações de um mesmo Estado seu ato fundante e, em vez de ser variável violadora do direito, é, em verdade, a correlação de forças entre tais nações que determinará a sua extensão e legitimidade. A segunda considera que se em Maquiavel a história era fonte para o desenvolvimento de técnica da política, aqui a própria história torna-se parte integrante de um saber histórico-político que será operacionalizado para que a nobreza franca possa tomar “consciência de si mesma, reencontrar seu saber, tornar a ser uma força política no campo das forças políticas”.106 Em relação à terceira consideração, ao contrário do que o direito ou a filosofia faziam crer, a guerra torna-se a matriz de verdade do discurso histórico, isto é, a verdade não começa quando cessa a violência, mas é a partir do reconhecimento da manifestação desta na história do Estado e de suas instituições que a nobreza encontrará os recursos necessários para fazer o duplo enfrentamento do monarca e do terceiro estado. A quarta consideração de Foucault afasta a tese de que foi a burguesia que tenha inventado a história. Foram os aristocratas decadentes que desenvolveram a racionalidade histórica que, em seguida, será utilizada tanto pela burguesia como, mais tarde, pelo proletariado. Na quinta e última consideração há uma inversão pretérita à frase de Clausewitz107 de que a guerra é a política continuada por outros meios. Em Boulainvilliers e para a racionalidade histórica fundada a partir de então, a política é a guerra continuada por outros meios. Já no contexto das revoluções que marcam a ascensão da burguesia enquanto força política, há uma ressignificação no conceito de nação que irá ser moldada à justificação dos interesses burgueses frente à monarquia e à nobreza. Foucault reconhece que a abordagem de Boulainvilliers faz surgir um duplo risco: (a) o de uma guerra infindável; e (b) o de reconhecimento 106 FOUCAULT, 2010, op. cit., p. 138. 107 “[...] war is nothing but the continuation of policy with other means”. CLAUSEWITZ, Carl von. On war. Tradução: Michael Howard e Peter Paret. Princeton: Princeton University, 1989. p. 69.
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