Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

86 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 seus opositores, principalmente no Brasil158 – com os atos de resistência dos opositores da ditadura, sob a falaciosa premissa de uma reconciliação social. Este é o nó górdio da inacabada justiça de transição brasileira. Brandão, em diálogo com a obra de Mbembe159, é incisiva: um malfadado acerto de contas que redundou na impunidade da tortura e das sistemáticas violações de direitos humanos, levando ao profundo desconhecimento do que foi, verdadeiramente, a ditadura militar no Brasil e mantendo, no seio da comunidade política do país, a concepção segundo a qual os agentes da ditadura não cometeram crimes e que os crimes de Estado não seriam crimes, mas, sim, operações necessárias para a segurança da população. Ainda, é pertinente verificar que Brandão160 adota terminologia às “velhas” e “novas” impunidades para afirmar que as consequências comuns que delas decorrem, no que tange às irresponsabilidades dos agentes públicos pelos crimes contra a humanidade praticados, o que hoje perpassa às novas exceções e a insistente postura de manter “debaixo do tapete” o lá acontecido, se espelham e se retroalimentam dos sentidos produzidos na “autoanistia”. A pecha de que a prisão ilegal, a tortura, o assassinato, o desaparecimento forçado não são crimes, mas são atos justificáveis, se praticados pelos agentes do Estado para a proteção do “cidadão de bem”, produz na sociedade apoiadores e apoiadoras dos modos de operar da ditadura, ao mesmo tempo em que conserva a memória das vítimas da violência do Estado enquanto uma memória sem direitos ou com direitos de segunda classe. A herança disso, para a autora, é a formação de uma democracia autoritária em uma sociedade que segue matando e deixando matar parcelas suas cujas quais o Estado deve 158 TELES, Edson. O golpe que dura 60 anos. Adital, São Leopoldo/RS, 4 abr. 2024. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/categorias/638068-o-golpe-que-dura-60- anos-artigo-de-edson-teles. Acesso: abr. 2024. 159 MBEMBE, Achille. Critica da Razao Negra. Tradução: Sebastiao Nascimento. Sao Paulo: n-1 ediçes, 2018. 160 BRANDÃO, 2023, op. cit.. p. 97.

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