Raízes e ramificações: a Justiça de Transição na América Latina em tempos de covid-19

90 RAÍZES E RAMIFICAÇÕES: A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE COVID-19 estreita com o ditador General Augusto Pinochet, mantendo a investigação em sigilo por um longo período e se limitando aos casos em que a tortura levou à morte de opositores do regime. Por fim, retomando a experiência do Estado brasileiro, é possível afirmar que a falta de atos de justiça relacionados às velhas crises contribuiu, por exemplo, à eleição para a Presidência da República do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, em 2018166, que, segundo pesquisas realizadas pelo Cepedisa e pela Conectas167, incidiu em diversos crimes à frente do Estado brasileiro, na gestão da pandemia da covid-19, como se observará no tópico seguinte. 1.3.3 Justiça de transição diante da pandemia de covid-19: reflexões sobre os mecanismos clássicos à luz da devida diligência A história mostra que, em boa medida, as consequências enfrentadas por sociedades que emergiram de conflitos armados ou regimes autoritários se assemelham àquelas vivenciadas por sociedades que passaram pela crise sanitária da covid-19 ou, ainda, por outras crises, como as decorrentes de catástrofes 166 Para os historiadores Tatyana de Amaral Maia e Paulo Giovani Antonio Nunes, o apoio de parcelas heterogêneas da população ao crescimento de projetos políticos conservadores de extrema-direita tem relação com a descrença nos modelos baseados em uma social-democracia que se estabeleceram no pós-guerra. Por um lado, essa descrença, agravada, na atualidade, sobretudo, na América Latina, pela crise econômica do capitalismo mundial, pela perda da capacidade de compra da classe média, o desemprego, a violência, somado à corrupção; e, por outro lado, com o crescimento das demandas legítimas dos grupos minoritários na busca pela satisfação dos seus direitos, são fatores que contribuíram para que estes grupos conservadores reforçassem as suas perspectivas em relação à desordem do mundo. Segundo os autores, a sensação de desordem já vem sendo abordada por intelectuais, minimamente desde os anos 1990, enquanto uma característica do mundo ocidental decorrente da crise provocada pelo presentismo. Em que pese isso, “para certos grupos a solução para suas inquietudes e inseguranças passa perigosamente pelo apoio a ideologias de extrema-direita que estão dispostas a desconsiderar o avanço produzido pelo pensamento moderno, sobretudo, a democracia, a liberdade de expressão e a justiça social, em seus projetos de poder”. MAIA; NUNES, jul./dez. 2018, op. cit. 167 VENTURA et al, 2024, op. cit.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz