Anais do XXI Seminário Internacional Nanotecnologias, Sociedade e Meio Ambiente desafios jurídicos éticos e sociais para a “grande transição sustentável” (XXI SEMINANOSOMA) 384 Heidegger4 que se passou a encarar a hermenêutica para além de um plano instrumental, técnico e objetificador. A hermenêutica é deslo- cada para o plano existencial, para uma perspectiva fenomenológica. A hermenêutica como intrínseca à própria condição do homem no mundo. Uma condição genuinamente humana. Quanto aos problemas do Direito, é ingênuo acreditar que podem ser sanados apenas com o recurso à técnica. Sua complexidade não pode ser aprisionada no que é dado pela tecnologia. Para além disso, faz-se necessário considerar o elemento epistemológico, e, portanto, genuinamente humano. A postura irrefletida ante o avanço da IA – comumente observada numa es- pécie de reencantamento do mundo5 – pode ensejar a colonização do mundo hermenêutico. Uma nova faceta da colonização do mundo da vida, há muito apontada por Jürgen Habermas6. A perda da capacida- de reflexiva do homem. Desde antes do boom da IA, Manfred Spitzer7 já apontava o quadro de Demência Digital, a perda/redução das capacidades cognitivas face à imersão no mundo digital. John Danaher8 contemporizara o problema ao abordar como a dependência de pro- cessos de tomada de decisão por algoritmos abre caminho para uma algocracia, um processo de terceirização do ato de pensar. Conclusão: O uso desenfreado e irrefletido das IAs pode acarretar a atrofia dos ho- rizontes compreensivos e interpretativos do ser humano, resultando na colonização do mundo hermenêutico e na perda daquilo que torna o homem verdadeiramente humano. Trata-se da sobreposição de uma razão tecnocrática e maquinista. Daí a importância de se preservar o paradigma hermenêutico-filosófico, como proposto, por exemplo, por Streck e Jung9 como condição para manter a dimensão linguística, in- terpretativa e normativa do fenômeno jurídico. Palavras-chave: Direito. Interpretação. Tecnologia. 4 HEIDEGGER, M. The question concerning technology. New York: Harper, 1977. 5 STRECK, L. L. Ensinamos ao robô como julgar! E já não importammais Kelsen nem Hart. In: Anderson Vichinkeski Teixeira,Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha (Orgs). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. Blumenau, SC: Dom Modesto, 2023. n. 19. 6 HABERMAS, J. Teoria de la Acción Comunicativa I. Racionalidad de la Acción y Racionali- zación Social Buenos Aires: Taurus Humanidades, 1999. 7 SPITZER, M. Demencia digital: el peligro de las nuevas tecnología. Barcelona: Ediciones B, 2013. 8 DANAHER, J. The threat of algocracy: Reality, resistance and accommodation. Philosophy & technology, v. 29, n. 3, p. 245-268, 2016. 9 STRECK, L. L.; JUNG, L. Hermenêutica e Inteligência Artificial: Por uma Alternativa Paradigmática ao Imaginário Técnico-Jurídico. Direito Público, v. 21, n. 110, 2024.
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz