77 Anais do XXI Seminário Internacional Nanotecnologias, Sociedade e Meio Ambiente desafios jurídicos éticos e sociais para a “grande transição sustentável” (XXI SEMINANOSOMA) próprios de um veículo (ainda que este não se encontre em circulação) é aquele que possui a sua direcção efectiva e o utiliza no seu pró- prio interesse. Ora, por definição, um VA é aquele que circula de moto próprio, sem intervenção humana, pelo que poderia pensar-se que uma interpretação literal desta norma não permitiria a sua aplicação a estes casos25. Contudo, e apesar de, obviamente, o legislador não ter considerado estes casos na época em que a lei foi criada, a verdade é que o conceito de “direcção efectiva” não pode ser interpretado no sentido de “ter as mãos ao volante”26. A doutrina portuguesa sempre considerou que significava ter o poder de facto sobre o veículo, implicando ter o encargo de zelar pelo seu bom estado e funcionamento27. Tal significa que, as mais das vezes, quem tem a direcção efectiva é o seu proprietário, mas nada impede que possa ser outra pessoa, como o usufrutuário, o locatário ou o comodatário (ao menos, de longa du- ração) ou mesmo quem tenha furtado ou roubado o veículo28. Aliás, a própria norma diz expressamente que, caso o veículo seja conduzido por um comissário ao serviço do proprietário, o proprietário responde objectivamente pelos riscos próprios do veículo, mesmo não tendo “as mãos no volante”. Este critério permite afastar a aplicação desta norma nos casos em que alguém utilize um veículo no seu interesse, mas não tenha a sua direcção efectiva: como o passageiro, o locatário ou comodatário de curta (ou muito curta) duração29, etc. Por exemplo, no futuro não 25 Afirmando que “é discutível se se poderá falar de direção efetiva [do veículo] em casos de automação plena”, Mafalda Miranda Barbosa, «O futuro da responsabilidade civil desafia- da pela inteligência artificial…», op. cit., p. 267. 26 “A direcção efectiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo, mas não equivale à ideia grosseira de ter o volante nas mãos na altura em que o acidente ocorre”. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10.ª ed., Coimbra, Almedina, 2000 (16.ª reimpressão em 2020), pp. 657-658. 27 Considerando, assim, que “[o] conceito de direcção efectiva poderia ser adaptado ao fenó- meno da condução automatizada, sempre, porém, com as devidas cautelas”, Manuel Fe- lício, «Responsabilidade civil extracontratual por acidente de viação causado por veículo automatizado», Revista de Direito da Responsabilidade, 1, 2019, p. 516. 28 V., por todos, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em geral, op. cit., pp. 658 e ss.; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações (2009), op. cit., pp. 630-631; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, op. cit., p. 374. 29 Neste sentido, Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coim- bra, Coimbra Editora, 1987, p. 514. Dando conta de que boa parte da jurisprudência consi- dera que “em caso de aluguer, sendo o veículo conduzido pelo locatário, ou às suas ordens, o veículo é utilizado tanto no interesse do locatário, como do locador, e qualquer deles se pode dizer que tem a direção efetiva do veículo, devendo por isso aceitar-se que ambos respon- dem solidariamente pelo dano”, embora discorde desta interpretação legal, entendendo que “a direção efetiva se faz no interesse próprio do locatário ou do comodatário”, José Alberto González, Responsabili de Civil, 3.ª ed., Lisboa, Quid Juris, 2013, p. 210 (em Idem, Di-
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