CONVIVÊNCIAS E REDE(S) CULTURAS, LINGUAGENS E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO LUCIANA BACKES JULIANI MENEZES DOS REIS EDERSON LUIZ LOCATELLI (ORGANIZADORES) CASA LEIRIA
Este e-book é um convite para o leitor tecer os fios de forma complexa e viva, onde cada nó representa uma história, conhecimentos, uma convivência que se expande e se enlaça com o todo. Ao explorá-lo, o leitor é convidado a assumir o papel de tecelão, um criador de conexões e significados, que, ao entrelaçar suas vivências e reflexões, participa dando origem a uma nova rede de conhecimentos que se transforma com cada novo fio que nela se entrelaça, de maneira surpreendente e desejável.
CONVIVÊNCIAS E REDE(S) CULTURAS, LINGUAGENS E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO
REVISÃO GRAMATICAL Luciana Backes Vanessa Just Blanco REVISÃO ABNT E FORMATAÇÃO Juliani Menezes dos Reis Fabrícia Py Tortelli Noronha Fabíola dos Santos Kucybala COMISSÃO CIENTÍFICA Dr. Adilson Cristiano Habowski – URI Dra. Aline Juchem – SESI/RS Dra. Camila da Silva Fabis – Unisinos Dr. Claudio Cleverson de Lima – UFAL Dra. Cristiane Koehler – UFMT Dra. Ilka Márcia Ribeiro de Souza Serra – UEMA Dr. Marcelo de Miranda Lacerda – IFNMG Dra. Naidi Carmen Gabriel – IFSC Dra. Janaína Menezes – IENH Dr. Jonathan Felix Ribeiro Lopes – La Salle – Manaus Dr. Jones Godinho – La Salle – Manaus Dra. Juliana Fatima Serraglio Pasini – UFRGS Dra. Lisiane Cézar de Oliveira – IFRS Dra. Renati Fronza Chitolina – Faculdade Três de Maio Dra. Suzana Moreira Pacheco – Unisinos Dra. Sônia Regina da Luz Matos – UCS
LUCIANA BACKES JULIANI MENEZES DOS REIS EDERSON LUIZ LOCATELLI (ORGANIZADORES) CASA LEIRIA SÃO LEOPOLDO/RS 2024 CONVIVÊNCIAS E REDE(S) CULTURAS, LINGUAGENS E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO
Convivências e rede(s): culturas, linguagens e tecnologias na educação Organizadores: Luciana Backes Juliani Menezes dos Reis Ederson Luiz Locatelli Capa: Feita a partir do Microsoft Designer: https://designer.microsoft.com Ícones do site: https://www.vexels.com/ Os textos são de responsabilidade de seus autores. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. DOI: https://doi.org/10.29327/5457639 Catalogação na Publicação Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973 Casa Leiria Ana Carolina Einsfeld Mattos Ana Patrícia Sá Martins Antônia Sueli da Silva Gomes Temóteo Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco Haide Maria Hupffer Isabel Cristina Arendt Isabel Cristina Michelan de Azevedo José Ivo Follmann Luciana Paulo Gomes Luiz Felipe Barboza Lacerda Márcia Cristina Furtado Ecoten Rosangela Fritsch Tiago Luís Gil Conselho Editorial (UFRGS) (UEMA) (UERN) (UFRN) (Feevale) (Unisinos) (UFS) (Unisinos) (Unisinos) (UNICAP) (Unisinos) (Unisinos) (UnB) C766 Convivências e Rede(s) : linguagens e tecnologias na educação [recurso eletrônico]. / Organização Luciana Backes , Juliani Menezes dos Reis , Ederson Luiz Locatelli – São Leopoldo: Casa Leiria, 2024. Disponível em: <http://www.casaleiriaacervo.com.br/educacao/ convivenciaseredes/index.html> ISBN 978-85-9509-149-8 1. Educação – Inovações tecnológicas. 2. Tecnologia educacional – Formação docente. 3.Tecnologia educacional – Práticas pedagógicas. 4. Tecnologia educacional – Pesquisa e tendências. 5. Educação digital – Educação de jovens e adultos. 6. Tecnologia educacional – Cultura digital. I. Backes, Luciana (Org.). II. Reis, Juliani Menezes dos (Org.). III. Locatelli, Ederson Luiz (Org.). CDU 37:004
AGRADECIMENTOS Esta obra foi tecida ao longo do tempo e em diferentes espaços. Muitos tecelões fizeram parte deste e-book de forma direta ou indireta, alguns estão representados como autores de capítulos, outros participaram dos projetos de pesquisa desenvolvidos no grupo Convivência e Tecnologia Digital na Contemporaneidade COTEDIC UNILASALLE/CNPq, no contexto da linha Culturas, Linguagens e Tecnologias na Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade La Salle – Canoas. Assim, estendemos os nossos agradecimentos a todos e todas que participaram dos projetos: Educação On-Line: reconfigurações, reconstruções e significados na prática pedagógica para ensino e aprendizado. Financiamento Consórcio Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Chamada Universal MCTI/CNPq Nº 01/2016. ReCONtextualiser des ressources Sciences et Albums à l’échelle internationale: impact sur le Développement Professionnel des Enseignants du Primaire. Financiamento Ministère de l’Éducation Nationale de l’Enseignement Supérieur et de la Recherche (MENESR), Direction Générale de l’Enseignement Scolaire (DGESCO) et Département Recherche-Développement, Innovation et Expérimentation (DRDIE). Recontextualizar as Ciências e a Contação de Histórias para os Processos de Ensino e de Aprendizagem da Educação Básica à Formação de Professores a nível Internacional. Financiamento FAPERGS SEBRAE/RS 03/2021 – Programa de apoio a projetos de pesquisa e de inovação na área de Educação Básica – PROEdu (FAPERGS SEBRAE). Convivências e Rede(s): Configuração de ecossistemas de aprendizagem. Os projetos contaram com a participação de bolsistas de Iniciação Científica de Ensino Médio e Superior (CNPq, FAPERGS e UNILASALLE) e bolsistas de Mestrado e Doutorado (CAPES, UNILASALLE e Prefeitura Municipal de Canoas), assim como educadores de escolas da rede pública de ensino. Esta obra tem o financiamento do Programa de Apoio à Pós- -Graduação (PROAP/CAPES).
Indo de encontro a um antropocentrismo cujos efeitos devastadores apenas começam a mensurar, o pensamento orgânico, porque enraizado, permite compreender a correspondência fundamental entre os diversos elementos do todo social. O radicalismo de tal sensibilidade nos retira da rotina filosófica. Então, pensar é se conciliar como que resta de não poluído na socialidade contemporânea. É retornar à origem desses espaços de liberdade, a essas utopias intersticiais, nas quais se localiza, cada vez mais, o viver-junto, e que constituem aquilo que chamei de “solo”, lugar onde as raízes se confrontam. O “net-ativismo”, o movimento dos “indignados” e as várias rebeliões se encaixam bem e são confrontados pelas “contaminações” eletrônicas, participando de um real “reencantamento do mundo”. Maffesoli (2017, p. 47)1 1 MAFFESOLI, M. “Net-Ativismo”: do mito tradicional à cibercultura pós-moderna. In: DI FELICE, M.; PEREIRA, E.; ROZA, E. (Org.). Net-ativismo: Redes digitais e novas práticas de participação. Campinas (SP): Papirus, 2017.
Convivências e Rede(s): culturas, linguagens e tecnologias na educação 10 SUMÁRIO 13 Entre fios e nós tecemos convivências e rede(s) Ederson Luiz Locatelli Luciana Backes Juliani Menezes dos Reis CULTURAS 19 Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa Janaína Mota Fidelis Fabíola dos Santos Kucybala 37 A literaturalização das ciências articulada à contação de histórias e ao teatro Juliani Menezes dos Reis Antonio Filipe Maciel Szezecinski 53 O dispositivo de formação docente TEIAs e a aprendizagem em rede Naidi Carmen Gabriel 71 Desembarque no ensino: ressignificação das práticas pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos Érica Cecília Noronha Da Boit Luciana Backes 87 Alfabetização por meio dos multiletramentos: um caminho possível Luciane Priori Monteiro LINGUAGENS 101 O processo de alfabetização no ecossistema para aprendizagens: os caminhos para uma história recontextualizada Fabiane Aparecida Parcianello de Almeida 117 A produção da narrativa pelo autor docente: a história de um planejamento em ambiente digital Vanessa Just Blanco
11 Convivências e Rede(s): culturas, linguagens e tecnologias na educação 133 Construção do e-book “Educação, tecnologia e cibercultura”: desafios para Alice no País das Maravilhas Luciana Backes Karen Cardoso Barchinski Eduardo Lorini Carneiro 153 A contribuição das hipermídias na formação continuada de professores sobre a Amazônia Jones Godinho 169 Produção escrita e interação digital: uma proposta de ensino da escrita automonitorada Larissa Damiris Lopes Franco Kári Lúcia Forneck Lucimara Fiorese TECNOLOGIAS 191 As ecologias conectivas e os desafios da formação dos professores da Educação Básica Eliane Schlemmer Massimo Di Felice 213 Conectividade e robótica kids na Educação Infantil: diversidade, criatividade e cooperação Nydia Maria Rosa de Pinho Thamy Cristine Rocha Luciana Backes 227 Tecnologias Digitais na Educação Básica: um olhar a partir da BNCC Marlete Teresinha Gut Cledes Antonio Casagrande Fabrício Pontin 243 Metodologia de projetos de aprendizagem associada à gamificação: ressignificação da prática pedagógica Fabrícia Py Tortelli Noronha Luciana Backes 261 Plataformas educacionais no ensino superior: um estudo de caso na UFBA Everton Santana Rodrigues Lynn Alves Velda Torres
Convivências e Rede(s): culturas, linguagens e tecnologias na educação 12 279 O desenvolvimento da tomada de consciência sobre o conhecimento pedagógico: formação inicial de professores Renati Fronza Chitolina Luciana Backes Cledes Antonio Casagrande 295 A malha do pensamento ecológico Janaína Mota Fidelis Naidi Carmen Gabriel Fabiane Aparecida Parcianello de Almeida Eduardo Lorini Carneiro
13 ENTRE FIOS E NÓS TECEMOS CONVIVÊNCIAS E REDE(S) Ederson Luiz Locatelli Luciana Backes Juliani Menezes dos Reis Assim como a jovem tecelã que, commãos firmes e umdesejo inato, tece sua própria realidade, somos nós também artesãos das convivências e da(s) rede(s) que construímos. Cada fio é uma escolha, uma conexão entre saberes, histórias e afetos que, em conjunto, formam um tecido de experiências e aprendizagens, vivo e pulsante. Neste espaço que habitamos, as convivências – as formas de viver com o outro, de construir e compartilhar conhecimento – são o pano que, a cada instante, ganha novos fios e novas cores. A jovem tecelã de Colasanti (2000)1, ao criar a própria morada com fios de sua escolha, também vivia no limite entre o que conhecia e o que poderia inventar. Da mesma forma, nossa tecitura educacional, ao longo das últimas décadas, precisou adaptar-se, abrir-se ao desconhecido, questionar-se e recriar-se em um cenário cada vez mais híbrido. A natureza do espaço, além de geográfica e/ ou analógica, passou a ser, também, virtual e digital. Assim, o espaço físico encontra o imaterial e as conexões não se limitammais ao que está próximo, mas se expandem pelo mundo (Backes; Schlemmer, 2013)2. A interação entre o viver e o conviver, ao integrar os diferentes mundos (físico, digital e/ou imaginário), transforma-se em uma 1 COLASANTI, M. Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento, Rio de Janeiro, RJ: Global, 2000. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/resenhas delivros/1413748. Acesso em: 22 nov. 2024. 2 BACKES, L.; SCHLEMMER, E. Práticas pedagógicas na perspectiva do hibridismo tecnológico digital. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 13, p. 243266, 2013. DOI: https://doi.org/10.29327/5457639.1-1
Entre fios e nós tecemos convivências e rede(s) 14 convivência de natureza híbrida, entrelaçando o palpável, o digital, o imaginário e o virtual em um tecido único de significados. Cada ser (vivo, inanimado, máquina...) é um nó nessa trama, um ponto no qual as convivências e a(s) rede(s) se encontram e se renovam. Tal como a tecelã que insere novos elementos em seu tecido para transformar a realidade, os nós dessa(s) rede(s) também trazem perspectivas distintas, saberes específicos e ações diversas que enriquecem o ecossistema, configurando-o como um espaço de constante transformação e expansão. Nesse viver com o outro, as condutas adequadas são instauradas no entrelaçamento do linguajar e do emocionar, como expressão da ação dos seres vivos que se articulam e se adaptam, em congruência com o meio (Maturana; Varela, 2002)3. No âmbito da cultura, cada convivência torna-se uma oportunidade de autoprodução e adaptação ao meio, de diferentes naturezas. Assim como a tecelã transforma seus fios em espaços de existência e coexistência, nós transformamos nossas experiências em redes de conhecimento, adaptando-nos aos contextos e recriando nossas formas de aprender e de ensinar. A cultura emerge na convivência, articulando as ações, as histórias e os saberes dos participantes desse ecossistema. Os capítulos dedicados à dimensão da Cultura apresentam diversas perspectivas sobre a formaçãodocente e as práticas pedagógicas em diálogo com os contextos socioculturais contemporâneos. Janaína Fidelis e Fabíola Kucybala analisam como comunidades de professores aprendizes e rodas de conversa podem transformar o conhecimento docente por meio de redes de convivência. Antonio Szezecinski e Juliani Reis exploram a literaturalização das ciências como proposta pedagógica para integrar a contação de histórias, folclore, teatro e ciências, promovendo aprendizagens interdisciplinares. Naidi Gabriel reflete sobre as convivências em redes docentes no projeto TEIAs, destacando os desafios e as potencialidades das interações em espaços híbridos de aprendizagem. Érica Da Boit e Luciana Backes abordam práticas dialógicas e problematizadoras na Educação de Jovens e Adultos (EJA), promovendo engajamento e autoria coletiva. Por fim, Luciane Monteiro investiga a alfabetização 3 MATURANA, H. R.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2002.
15 Ederson Luiz Locatelli, Luciana Backes e Juliani Menezes dos Reis para os multiletramentos na cultura digital, utilizando o gamebook “Guardiões da Floresta” como tecnologia para explorar múltiplas linguagens no processo de aprendizagem. As linguagens que atravessam esses espaços híbridos são as tramas que dão coesão à convivência. Assim como a tecelã precisa escolher os fios certos para dar forma ao que deseja criar, nós escolhemos formas de expressão, de diálogo, de compreensão mútua. Em um ecossistema tão complexo, onde o digital, o virtual, o natural e o físico coexistem, essas linguagens nos permitem identificar, articular e atribuir significados em um diálogo dinâmico e plural, emergindo e valorizando as diferenças e construindo os saberes na diversidade. Os capítulos relacionados à dimensão das Linguagens exploram diferentes formas de expressão e interação mediadas pela tecnologia no contexto educacional. Fabiane Almeida investiga a configuração de ecossistemas de aprendizagem na alfabetização, articulando a recontextualização das ciências com histórias infantis para promover o viver e conviver em práticas pedagógicas significativas. Vanessa Blanco apresenta o planejamento docente como uma narrativa pedagógica, destacando o uso do Google Sites para fomentar conexões entre a autoria do professor e a autonomia do aluno. Luciana Backes, Karen Barchinski e Eduardo Carneiro refletem sobre a construção de um e-book gamificado, que potencializa a autoria e a aprendizagem no ensino superior online. Jones Godinho aborda a criação de e-books interativos (multimídias) sobre o bioma Amazônia, contribuindo para a formação continuada de professores e para práticas pedagógicas interdisciplinares e flexíveis. Larissa Franco, Kári Forneck e Lucimara Fiorese discutem a escrita de fanfics como ferramenta pedagógica para desenvolver a consciência e o automonitoramento textual em estudantes, integrando tecnologias digitais para promover maior autonomia e criatividade nos processos de letramento. E, por fim, a tecnologia é um dos elementos para manter a trama em constante movimento. Portanto, os ecossistemas de aprendizagem são habitados por estudantes, tutores, professores, profissionais, familiares, amigos, conteúdos, informações, práticas, instituições, dispositivos, artefatos, entre outros. Como a tecelã que incorpora novos fios para expandir seu tecido, as tecnologias estão
Entre fios e nós tecemos convivências e rede(s) 16 presentes nas convivências, configurando novos espaços de interação, expressão e compartilhamento. Cada artefato, dispositivo, plataforma, rede é um fio que acrescentamos a esse tecido, que se torna cada vez mais colorido e amplo, potencializando o trânsito de informações, imagens e crenças, ressignificando todo e qualquer tipo de fronteira. Os capítulos na dimensão das Tecnologias discutem a integração de inovações digitais em práticas pedagógicas, refletindo sobre suas implicações na formação e na aprendizagem. Eliane Schlemmer e Massimo Di Felice abordam a formação docente na perspectiva das ecologias-conectivas, propondo práticas pedagógicas simpoiéticas e gamificadas em um contexto de hiperinteligências. Nydia Pinho, Thamy Rocha e Luciana Backes exploram a robótica educativa na educação infantil, por meio do protagonismo e da criatividade das crianças em práticas interativas com o Explorador Kids. MarleteGut, Cledes Casagrande e Fabrício Pontin analisama integração das tecnologias digitais no Ensino Médio conforme a BNCC, enfatizando práticas reflexivas e colaborativas. Fabricia Noronha e Luciana Backes investigam metodologias de projetos de aprendizagem com elementos de games para o ensino de programação, promovendo protagonismo e engajamento dos estudantes. Everton Rodrigues, Velda Torres e Lynn Alves refletem sobre os impactos do Ensino Remoto Emergencial e a dataficação no período pandêmico, a partir da necessidade de práticas éticas no uso de plataformas digitais. Por fim, Renati Chitolina, Luciana Backes e Cledes Casagrande discutem a robótica educativa na formação inicial de professores, analisando o desenvolvimento da tomada de consciência pedagógica em um ambiente de aprendizagem colaborativo. Este e-book, então, é um convite para o leitor percorrer essa tecitura complexa e viva, onde cada nó representa uma história, um saber, uma convivência que se expande e se enlaça com o todo. Ao explorá-lo, o leitor é convidado a assumir o papel de tecelão, umcriador de conexões e significados, que, ao entrelaçar suas vivências e reflexões, participa dando origem a uma nova rede de saberes que se transforma com cada novo fio que nela se entrelaça, de maneira surpreendente e desejável.
CULTURAS
19 CONFIGURAÇÃO DE REDES À LUZ DAS COMUNIDADES DE PROFESSORES APRENDIZES E DAS RODAS DE CONVERSA Janaína Mota Fidelis1 Fabíola dos Santos Kucybala2 RESUMO; A constante discussão sobre formação continuada de professores na Educação Básica demonstra a preocupação em desenvolver um trabalho para/pelos professores. As convivências e redes configuradas entre docentes podem ser a resposta procurada para a qualificação dos processos formativos. Este capítulo entrelaça reflexões sobre as convivências docentes através dos conceitos de Comunidades de Professores Aprendizes e de Rodas de Conversa. Na revisão teórica na análise da literatura sobre essas duas formas de convivência docente, encontrou-se aproximações e distanciamentos entre as propostas, bem como, potencialidades e desafios em suas constituições. No entrelaçamento corroborou-se que as redes de relações docentes, constituídas em ambas as propostas, trazem acoplamentos estruturais e adaptações no conhecimento de cada docente que delas participam, transformando o conhecimento docente e modificando as próprias estruturas das comunidades e das rodas. Constatou-se também, que para que essas interações sejam efetivas, o engajamento docente e o sentimento de pertencimento ao grupo são fundamentais, sendo que por vezes, a multitarefa docente pode ser uma barreira para o envolvimento na rede de convivência. Todavia, ao se perceber a potencialidade do compartilhamento de 1 Mestre em Educação – UFRGS; membro dos Grupos de Pesquisa COTEDIC e GERES; Assessora Pedagógica na Unidade de Avaliações e Metas da Secretaria Municipal de Educação de Canoas; janamfidelis@gmail.com. 2 Mestre em Educação – UNILASALLE; membro dos Grupos de Pesquisa COTEDIC e GERES; Bolsista CAPES/PROSUC, Professora na Rede Municipal de Ensino de Canoas; fabiolast@gmail.com. DOI: https://doi.org/10.29327/5457639.1-2
Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa 20 experiências pautada em discussões teóricas para o planejamento sobre a ação, o compromisso se torna natural e significativo para os docentes. Palavras-chave: Convivências. Comunidades de Professores Aprendizes. Rodas de Conversa. 1 INTRODUÇÃO Muito se discute sobre a formação continuada de professores na Educação Básica. Há uma preocupação entre os pesquisadores em desenvolver um trabalho construído para/pelos professores, visando a efetiva qualificação do ensino (Imbernón, 2010; André, 2015; Gatti, 2022). No entanto, pouco se avança na construção de sentido e no real resultado para as práticas docentes em sala de aula (Imbernón, 2010). Historicamente, houve pouco progresso desde as formações da década de 1980, que se baseavam em modelos de treinamento e práticas diretivas, até o início do século XXI e os anos 2000, período marcado por uma crise na profissão docente e pela constatação de um sistema educacional obsoleto (Imbernón, 2010). Nesse sentido, acredita-se que o paradigma da formação continuada de professores precisa ser colocado em pauta. É interessante pensar a participação dos professores nas reflexões sobre a inovação educacional, para que os processos formativos se consolidem na prática e não fiquem apenas no campo das teorias ou das prescrições sobre o que “deve” ser feito. Como afirma Imbernón (2010, p. 26), “ Na formação deve-se trabalhar com os professores e não sobre os professores”. Os cursos de formação inicial e continuada para professores da Educação Básica, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, enfrentam o desafio de integrar conhecimentos específicos e pedagógicos à prática. Gatti (2017) destaca a responsabilidade dos professores em proporcionar aprendizagens efetivas, cognitivas e socioafetivas, através do enriquecimento do conhecimento docente e da responsabilidade pedagógica. É essencial desenvolver esses conhecimentos ao longo da formação inicial e buscar o constante aprimoramento, o que pode acontecer através das convivências configuradas nas redes de relações docentes. As redes tecidas no meio profissional e as convivências entre docentes podem configurar-se
21 Janaína Mota Fidelis e Fabíola dos Santos Kucybala como ummeio para a reflexão e a (re)construção de conhecimentos, a fim de atender às necessidades dos estudantes e dar significado às aprendizagens escolares, relacionando-as às demandas da vida cotidiana. Por isso, acredita-se que estabelecer o diálogo e compreender as convivências existentes nomeio docente, se faz fundamental para estabelecer relações entre o conhecimento docente e sua aplicabilidade no cotidiano escolar. Para tanto, o processo de formação docente passa por uma mudança paradigmática, concebendo-a como convivência na rede profissional. Maturana e Varela (2001), mostram que o conhecimento é construído pela interação, que aprendemos vivendo e vivemos aprendendo. Assim, a convivência com outros seres vivos (e não vivos) constitui quem somos, ao mesmo tempo que constitui os outros e o ambiente. Desse modo, a rede de relações se configura da maneira como é no cotidiano, pelas pessoas (ou seres vivos) que se relacionam e pelas condições locais, ou seja, cultura, espaço e sociedade. Se fossem outras pessoas em outros espaços e tempos, seriam outras redes de relações. Logo, “[...] todo conhecer depende da estrutura daquele que conhece.” (Maturana e Varela, 2001, p. 40). Assim, este capítulo busca uma nova tessitura para o conceito de formação continuada de professores, na medida em que visa refletir sobre as convivências docentes e suas implicações para as práticas pedagógicas. Posto isso, cunha-se como objetivo, entrelaçar reflexões sobre as convivências docentes através dos conceitos de Comunidades de Professores Aprendizes e de Rodas de Conversa. 2 CONVIVÊNCIAS DOCENTES Para falar das convivências no meio docente, e nas suas implicações para o desenvolvimento do conhecimento do professor e para a qualificação da sua prática, é necessário aprofundar o conceito a nível de convivência a partir da organização e da estrutura, ou seja, as convivências configuradas entre seres vivos e o ambiente no qual estão inseridos. Maturana e Varella (2001) trazem aprofundamentos teóricos sobre as bases biológicas da compreensão humana, mostrando que interações e acoplamentos estruturais, como eles denominam, acon-
Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa 22 tecem desde microrganismos celulares, até unidades individuais (como seres humanos) e unidades de terceira ordem (formadas por unidades individuais). Este capítulo foca nas unidades de terceira ordem, que aqui serão exploradas como Comunidades de Professores Aprendizes e como Rodas de Conversa. Seguindo a perspectiva biológica de Maturana e Varela (2001), os acoplamentos estruturais e sociais são as relações que desencadeiam mudanças estruturais tanto na unidade (podendo ser um ser vivo) quanto no meio. Posto isso, a interação entre unidades provoca perturbações nas estruturas que através de atividades conjuntas, buscam superar as perturbações, transformando as unidades e o meio, o que diz respeito ao acoplamento social. Dessa maneira, as unidades em geral, e no caso deste estudo, os professores, são unidades que se transformam na convivência e conhecem no viver, porque são constituídos de uma certa maneira e seguem uma ontogenia (que se transforma ao longo da história). As interações, os acoplamentos estruturais, a adaptação, os acoplamentos sociais e a comunicação mostram uma regularidade no mundo que experimenta-se a cada momento, mas não há um ponto de referência independente dos seres, que garanta uma estabilidade absoluta às suas descrições. O ponto de vista de cada um, como descritor e como observador, garante e explica a sua percepção de mundo produzida em seu ser com os outros, em uma mistura de regularidade e mutabilidade. Conhecer o conhecer é fundir-se no conhecimento. É estar dentro da roda viva, como observador e como participante. Não é possível observar de fora, pois o fora não existe. Ao mesmo tempo, as aprendizagens são diferentes para cada um, pois as perspectivas são distintas. Mesmo assim, o conhecimento configura-se a partir de interações com o outro e com o mundo, de forma que se fossem outras interações, com outros seres, o conhecimento seria diferente. Conforme Maturana e Varela (2001, p. 267-268): Se sabemos que nosso mundo é sempre o que construímos com os outros, cada vez que nos encontramos em contradição ou oposição com o outro ser humano com o qual desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser reafirmar o que vemos do nosso próprio ponto de vista. Ela consistirá em apreciar que nosso ponto de vista é o resultado de um acoplamento estrutural no domínio
23 Janaína Mota Fidelis e Fabíola dos Santos Kucybala experimental, tão válido quanto o de nosso oponente, mesmo que o dele nos pareça menos desejável. Caberá pois, a busca de uma perspectiva mais abrangente, de um domínio experiencial em que o outro também tenha lugar e no qual possamos construir um mundo juntamente com ele. Percebe-se então, que a aceitação do outro junto na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social. Nesse sentido, as Comunidades de Professores Aprendizes e as Rodas de Conversa trazem em seu âmago o significado da convivência e das interações de grupos docentes que são caracterizados pelo grupo de professoras que as constituem e pelas condições de espaço e tempo nas quais essas Comunidades e Rodas de Conversa se inserem. Por isso, é imprescindível para esta reflexão o diálogo entre esses dois conceitos, a especificação de cada um. 2.1 Comunidades de Professores Aprendizes O conceito de Comunidades de Professores Aprendizes foi desenvolvido por Shulman e Shulman (2004), mais especificamente denominado como “Promover Comunidades de Professores Aprendizes – PCPA”, conhecido em inglês como Fostering Communities of Teacher as Learners – FCLT. Tal concepção foi inspirada na teoria de Brown e Campione (1992) para “Promover Comunidades de Aprendizagens – PCA” ou Fostering a Community of Learners – FCL, em inglês. Uma Comunidade de Professores Aprendizes é uma comunidade profissional, na qual o professor que está disposto a constituí- -la, também está disponível a ensinar e aprender com seus pares, a se atualizar teoricamente e a trocar experiências, para qualificar a sua prática docente (Shulman; Shulman, 2004). Nesse sentido, seis eixos direcionam a comunidade: a visão, que diz respeito à preparação do professor; a motivação e disposição para ensinar e aprender; a compreensão de conceitos para o ensino ao qual se dispõe em sua sala de aula; a prática, relacionada à capacidade de se engajar na transformação da visão e compreensão da realidade; a reflexão sobre a experiência, sobre as ações pedagógicas e suas consequências e; a comunidade profissional a qual o docente constitui (Shulman; Shulman, 2004).
Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa 24 Esses eixos promovem a articulação entre teoria e prática, conforme orientado nos documentos nacionais para a formação docente (Brasil, 2015). Nesse contexto, a preparação docente é entendida através da convivência em uma comunidade de aprendizagem que possui uma visão pedagógica, a qual molda e é moldada pela visão dos professores que a compõem. A Comunidade de Professores Aprendizes, assim, configura-se como um espaço de convivência destinado a contruir práticas pedagógicas, a partir de reflexões. Essas práticas, desenvolvidas pela própria comunidade, são baseadas em conceitos teóricos e experiências. Nessa perspectiva, os docentes envolvidos tendem a compreender os conceitos e princípios desse tipo de ensino e são capazes de se engajar nas práticas pedagógicas e organizacionais necessárias. Dessa forma, podem aprender com suas experiências e as de seus pares, formando uma verdadeira comunidade de aprendizagem. Para implementar uma proposta de formação pautada na Comunidade de Professores Aprendizes, Shulman e Shulman (2004) recomendamo uso de estudos de caso de salas de aula reais para refletir sobre experiências pedagógicas. Nesse processo, um dos professores participantes pode trazer umcaso de sua própria sala de aula para ser analisado pelo grupo, integrando teoria e prática no desenvolvimento de uma proposta pedagógica baseada na análise crítica da comunidade de aprendizagem. Shulman e Shulman (2004) discutem o conceito de ensino competente e enfatizam que, para aprimorar a prática docente, a convivência na Comunidade requer uma ação deliberada, reflexiva e cuidadosa. Essa prática docente ultrapassa o mero planejamento e não se baseia em tentativas e erros, mas em um processo autoconsciente e crítico no âmbito da comunidade profissional. Dessa forma, o ensino competente na Comunidade de Professores Aprendizes envolve os seguintes grupos de atributos: cognitivo, para discernir, entender e analisar; disposicional, para ter visão, acreditar e respeitar; motivacional, para querer mudar e persistir; prático, para agir, coordenar, articular e iniciar; e reflexivo, para avaliar, revisar, autocriticar-se e aprender com a experiência (Shulman; Shulman, 2004). Com esses atributos, o professor analisa sua própria prática e a de seus colegas, visando o enriquecimento do fazer pedagógico. Ao analisar os atributos necessários a uma Comunidade de Professores Aprendizes, verifica-se que tais características se con-
25 Janaína Mota Fidelis e Fabíola dos Santos Kucybala figuram a partir das individualidades docentes que formam o coletivo. Isto é, elas podem variar de acordo com o grupo que forma a Comunidades, assim como, podem se modificar na medida em que o grupo convive e se configura a partir das convivências. Em outras palavras, além dos atributos do grupo e da interação depender das características subjetivas dos indivíduos, essas características também podem se modificar e se adaptar a partir das convivências. Essas convivências podem ocorrer em diferentes espaços e ocasiões, na sala dos professores, na sala de aula, em reuniões formais e informais, em ambientes virtuais, entre outros. Nesse contexto, as comunidades virtuais de aprendizagem podem ser uma estratégia autêntica de compartilhamento de saberes e de aprendizagem coletiva (Malizia, 2012). Elas podem ser definidas como “[...] a distribuição de pessoas e conhecimentos no espaço e no tempo” (Malizia, 2012, p. 37). Assim, uma comunidade de professores aprendizes em um ambiente virtual pode proporcionar que cada um leia, assista vídeos, contribua com sugestões e comentários em tempos e espaços diferentes. Essa alternativa contribui na medida em que as comunidades podem ser constituídas por docentes de diferentes instituições e as aprendizagens e interações podem ocorrer em diferentes momentos, a depender da disponibilidade de cada professor que constitui essa rede de relações. Percebe-se assim, nas Comunidades de Professores Aprendizes uma rede autêntica de convivência docente. O que tambémé perceptível nas Rodas de Conversa. Sendo assim, para dar seguimento à reflexão sobre aspectos que entrelaçamas convivências docentes, se faz necessário elucidar também, o conceito de Rodas de Conversas. 2.2 Rodas de Conversas A Roda de Conversa é uma denominação apresentada por Warschauer (2018; 2022), que consiste em um espaço humano de formação de valores capaz de reunir sujeitos com diferentes histórias de vida e maneiras de pensar, para discutir, refletir e pesquisar sobre variados assuntos e/ou áreas. Este momento propicia a interação entre os participantes e traz o diálogo como importante construtor do conhecimento. Ao entrar em contato, em interação com o ou-
Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa 26 tro, ocorrem transformações internas, o que auxilia na conexão e na busca de sintonias que aproximamos diferentes sujeitos envolvidos. O trabalho em grupo por meio das Rodas, abre possibilidade de aproximar as pessoas, construir relações dialógicas e estabelecer conexões entre as experiências, o cotidiano e os conhecimentos produzidos. Contudo, para que seja incorporado e significativo para os participantes é de suma importância que este trabalho coletivo considere as experiências diárias vivenciadas por cada um dos envolvidos. A Roda pode ser percebida como uma rede de interações e ao ser planejada precisa considerar: [...] a qualidade das trocas estabelecidas no processo partilhado que propicia o desenvolvimento criativo individual e grupal: o cuidado mútuo, a escuta sensível, o acolher e ser acolhido, a paixão de aprender e ensinar, de ensinar e aprender, a paciência no falar e ouvir, a amorosidade na convivência, a tolerância nas diferenças, o prazer estético partilhado, o respeito durante os conflitos, a coragem de ver-se no outro, de olhar para ele e para si, o formar-se formando [...] (Warschauer, 2018, p. 394). A partir das tramas que são entrelaçadas por meio das Rodas, os sujeitos vão revisitando suas histórias individuais, suas identidades, experiências e características. Como nos fios que são tecidos e se trançam, as individualidades e particularidades também são partilhadas e vivenciadas. As Rodas, nesse ínterim, são: “[...] sistemas abertos e se cruzam umas com as outras” (Warschauer, 2018. 395). Para Warschauer (2018; 2022) o conceito de Roda alimenta um “círculo virtuoso”, ou seja, ao refletirmos sobre o conhecimento de nós mesmos e interagirmos com os outros e com o meio, podemos contribuir e beneficiar o todo, reforçando que todas as dimensões estão interligadas e em congruência. Nesse processo cíclico, existem muitas habilidades e potencialidades que estão envolvidas ao se propor as Rodas de Conversa, entre elas a convivência, a abertura ao diálogo e a novos pontos de vista, a escuta empática, a reflexão sobre a ação e, principalmente, o movimento formativo e construtivo. Sendo assim, quando as Rodas são construídas coletivamente não há ninguém em posição superior (nem coordenador, nem participantes), todos têm a sua importância e contribuem para esse movimento circular.
27 Janaína Mota Fidelis e Fabíola dos Santos Kucybala Ao relacionar tais conceitos à área da educação e à formação continuada de professores, as Rodas de Conversa podem ser importantes na reflexão sobre os processos de ensino e aprendizagem e na construção de práticas coletivas dentro da escola ou em diferentes contextos. Por esse motivo, a Roda de Conversa é uma oportunidade interformativa e de autoformação onde os docentes, a partir de espaços de convivência, vivenciam suas próprias experiências e as tomam como objeto de pesquisa e análise para refletir, conversar, pesquisar e conviver de forma integrada. Para melhor identificar as relações estabelecidas entre as Comunidades de Professores Aprendizes e as Rodas de Conversa, serão expostas algumas pesquisas e estudos que apontam as potencialidades e desafios em suas constituições. 3 COMUNIDADES DE PROFESSORES APRENDIZES E RODAS DE CONVERSA: ENTRELAÇAMENTO PARA REDE DE CONHECIMENTOS DOCENTES Tudo o que foi explanado até aqui, indica algumas características comuns e algumas diferenças entre as Comunidades de Professores Aprendizes e as Rodas de Conversa. São duas oportunidades distintas para configurar redes de convivências docentes com um objetivo comum, qualificar os processos de ensino e de aprendizagem. Para entrelaçar os conceitos, foram selecionadas quatro pesquisas e um capítulo de livro relacionados às Comunidades de Professores Aprendizes, bem como, três pesquisas e dois livros relacionados às Rodas de Conversa. Estes estudos foram selecionados por trazerem como centro da análise, um dos dispositivos que configuram as convivências docentes, aqui estudados, seja nas Comunidades ou nas Roda de Conversa. Alémdisso, esses diferentes estudos trazem experiências e realidades diversas, contribuindo para o enriquecimento da reflexão e da rede de relações sobre o tema estudado. As relações permeiam o cotidiano escolar, e sob a perspectiva do professor, elas ocorrem entre docentes, entre estudantes, entre a comunidade, com a estrutura escolar local e tantos outros meios pelo qual o professor convive profissionalmente. Contudo, essas relações, apesar de configuradas, não são estáveis comomuito bemco-
Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa 28 locamMaturana e Varela (2001). Elas dependemdo ponto de vista no qual se observa e se modificam de acordo com as configurações de espaço, tempo e características subjetivas dos interagentes. Assim, os conhecimentos que se constroem a partir dessas relações também não são estáveis e dependem igualmente dos indivíduos e do meio no qual se dá essa construção. Malizia (2012) destaca que o fundamento da criação do conhecimento está ligado à capacidade da comunidade de movimentar o conhecimento tácito e subjetivo com o conhecimento explícito e estabelecido, entre os sujeitos constituintes da mesma. Dessa maneira, através da interação e do acoplamento de conhecimentos subjetivos e explícitos, em uma “espiral do conhecimento” (Malizia, 2012, p. 49), essa configuração se move do nível individual ao nível comunitário, enriquecendo essa construção. E este movimento pode ser perceptível e factível tanto nas Comunidades de Professores Aprendizes quanto nas Rodas de Conversa, pelo fato de ambas trazerem as redes de relações como fundamento para o seu desenvolvimento. O tensionamento entre os docentes nas convivências configuradas, tanto na Comunidade quanto nas Rodas de Conversa apresentam duas formas de interação. Uma na qual a competência da Comunidade ou da Roda de Conversa guia a experiência da professora por meio da negociação de significados. E outra, na qual a experiência da professora guia a competência do grupo, dando um novo arranjo ao mesmo. Essa movimentação interativa garante a própria evolução da Comunidade ou da Roda de Conversa, num processo de equilíbrio instável e contínuo realinhamento, garantindo o desenvolvimento e a aprendizagem nessa rede de relações (Malizia, 2012). Porém, as interações também têm diferenças, pois na medida emque a Roda de Conversa temum tempo mais curto de duração, a Comunidade de Professores Aprendizes têm uma duração maior, podendo ou não ter um prazo estabelecido para sua durabilidade. Assim, pode-se evidenciar as ferramentas tecnológicas como um diferencial possível para as comunidades de aprendizagem, visto que elas podem ser virtuais e continuarem estabelecendo relações e pontes entre docentes. Piovesan e Bernardi (2023) ressaltam que através das tecnologias é possível não somente participar de lives, palestras e cursos, mas ser protagonista, interagindo e constituindo saberes práticos para (re)inventar o trabalho pedagógico. Contudo,
29 Janaína Mota Fidelis e Fabíola dos Santos Kucybala para que esse movimento ocorra, se fazem necessários determinados atributos docentes, bem descritos por Shulman e Shulman (2004), com os quais os membros da comunidade tenham disposição e visão para o compartilhamento e para a aprendizagemmútua, além de motivação para mudar através da reflexão acerca das diversas experiências. O sentimento de pertencimento à comunidade profissional, se faz fundamental. Nessa perspectiva, o grupo assume o compromisso com a constituição da sua própria profissão, na construção da identidade docente, dos saberes e da profissionalização. Tal constituição se dá num contexto colaborativo e crítico, de análise dos contextos vividos, relacionando teorias e mobilizando-as através das práticas pedagógicas (Piovesan; Bernardi, 2023). Em uma pesquisa brasileira pautada no modelo construtivo- -colaborativo, Reali, Tancredi e Mizukami (2016) buscaram identificar e compreender as tensões vivenciadas por formadoras (professoras experientes) ao atuarem como mentoras on-line de professoras iniciantes dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Esse estudo constituiu uma comunidade de aprendizagem profissional, na qual professoras experientes apoiavam professoras iniciantes. Verificou- -se que a constituição da comunidade foi um processo complexo, o diálogo colaborativo possibilitou a exploração de valores, crenças e conhecimentos na perspectiva do desenvolvimento profissional. As tensões observadas, frequentemente funcionaram como alavancas para novos conhecimentos e o diálogo sobre as práticas favoreceu o abandono de modelos educativos inadequados, por vezes experienciados pelas professoras iniciantes. No processo interativo da comunidade, algumas professoras se engajarammais do que outras, expondo o que precisavam aprender e alcançando mudanças explícitas nas suas práticas docentes (Reali; Tancredi; Mizukami, 2016). Uma pesquisa similar (Evans et al., 2023), realizada nos Estados Unidos, analisou os efeitos de uma comunidade de aprendizagem on-line com futuros professores das áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Este estudo escolheu uma plataforma específica para o suporte da comunidade, o Reddit, que consiste em uma mídia social, na qual os membros trocam conhecimentos sobre interesses compartilhados com outros membros da comunidade, por meio de postagens em discussões (Evans et al.,
Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa 30 2023). O Reddit desta comunidade foi restrito a 36 futuros professores que participaram da pesquisa (grupo privado). Os resultados demonstraram algumas potencialidades e desafios. O Reddit foi potente para a constituição de uma comunidade ativa e robusta, servindo como repositório para os futuros professores. Os futuros professores demonstraram desejo de pertencer a uma comunidade, na qual podiam ter interações significativas. Um grande desafio nesse processo, foi envolver os futuros professores em uma rede ativa fora do horário de aula, visto das outras atribuições que os indivíduos têm a cumprir, que não somente a participação na comunidade (Evans et al., 2023). Percebe-se com isso, que as comunidades de aprendizagem necessitam do engajamento para que possam se constituir efetivamente, e por vezes, esse engajamento pode encontrar barreiras nas multitarefas que os sujeitos constituintes da comunidade têm a cumprir, limitando seu tempo de participação. Por outro lado, as Rodas de Conversa trazem uma forma de envolvimento distinta, sendo atravessadas pelos diferentes significados e temas despertados por cada participante. Para Warschauer (2018) ao propor encontros por meio das Rodas há um maior entrelaçamento dos significados individuais e, à medida que as interações ampliam-se, vão sendo criados significados comuns entre os sujeitos. Em muitos casos, as Rodas de Conversa são associadas também ao registro e à escrita, onde os participantes são incentivados a refletir sobre sua prática por meio da construção de narrativas, diários de campo, escrita de histórias da sala de aula e da vida. Warschauer (2022) compara o registro diário da prática ao artesanato intelectual, pois ajuda a construir memórias compreensivas e recordações do aprendizado, importantes para novas aprendizagens. Além disso, “este espaço-tempo para a escrita da leitura do vivido auxilia a observação e a reflexão porque, a partir de vivências expostas no papel, é possível adquirir certa distância delas, necessária para o ato reflexivo” (Waschauer, 2022, p. 93). É o caso do estudo de Albuquerque e Galiazzi (2011), que utilizam as Rodas de Conversa com professores em processo de formação inicial em Química, na Universidade Federal do Rio Grande, para incentivar a escrita de preocupações com relação à sala de aula e ao registro de ideias, saberes, sugestões e dúvidas. Por meio do registro escrito os
31 Janaína Mota Fidelis e Fabíola dos Santos Kucybala participantes tiveram a possibilidade de refletir sobre o processo de formação, planejar suas ações e expor suas concepções ao projetar o futuro. Em outra pesquisa realizada na região de Restinga Seca, Rio Grande de Sul (Lopes, 2012), as Rodas de Conversa foram utilizadas como objetivo de conhecer os elementos que sustentama política do território e da educação do Programa Brasil Quilombola, a partir da análise da questão social, cultural, econômica e política. As rodas de conversa, assim como os saberes práticos que brotam do território, foram incorporados como importantes estratégias de compreensão da educação escolar quilombola. Nessa dinâmica formativa, as escolas passaram por duas posições: a que “vem de dentro” da comunidade, intitulada pelo pesquisador como saber local; e a que vem de “fora”, que seria a formação continuada. Em ambas as dinâmicas as relações pedagógicas se completam com os saberes quilombolas que brotam da terra. Entre os resultados, os aspectos estabelecidos demonstraramque as rodas de conversa se apresentaramcomo uma possibilidade de “[...] democratização da palavra, da ação e da gestão participativa do poder” (Lopes, 2012, p. 199). Além disso, as Rodas servirampara construir narrativas nas quais os envolvidos puderam contar a sua história, relacionar memórias, acontecimentos, sentimentos para escrever o seumundo e os seus fatos, de forma a tramar uma rede que dá unicidade ao que cada sujeito fala. Ao encontro dessa pesquisa, Bedin e Del Pino (2018) apresentaram uma intervenção pedagógica que utiliza as interações em Rodas de Conversa como espaço de formação. As Rodas foram propostas para fortalecer e aprimorar a formação inicial e continuada de professores da área de química de uma universidade privada, na região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Os espaços de formação promovidos a partir das Rodas de Conversa, serviram para que os participantes pudessem discutir, pesquisar e articular saberes acerca dos processos de ensinar e aprender química. Como resultados, além do desenvolvimento e construção de aspectos práticos, como discussão de metodologias docentes, construção de materiais didáticos e alternativos, desenvolvimento de microaulas e ambientes de aprendizagem, as Rodas de Conversa, constituíram-se como um processo coletivo de ação-reflexão-ação do que é ser professor. Diante dessas interações e intervenções,
Configuração de redes à luz das comunidades de professores aprendizes e das rodas de conversa 32 o estudo evidenciou que, ao participar das Rodas, os professores tiveram a possibilidade de aprimorar sua formação, nas dimensões pedagógica e epistemológica, e se reconhecerem como condutores de sua ação. Embora as Rodas de Conversa constituem-se como uma importante oportunidade para aproximar os professores, instigá-los a refletir sobre o cotidiano e a prática docente, Warschauer (2018) aponta que às vezes falta vitalidade e entusiasmo ao grupo. Além disso, no caso de Rodas com os professores acrescenta-se a essas dificuldades a abertura às mudanças e a não participação e/ou desmotivação docente com relação à formação pedagógica. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao finalizar este capítulo que buscou entrelaçar reflexões sobre as convivências docentes através dos conceitos de Comunidades de Professores Aprendizes e de Rodas de Conversa, corroborou-se aproximações e distinções entre estas constituições de redes de convivência docente. Enquanto as Comunidades de Professores Aprendizes podem se constituir em tempos e espaços tanto presenciais quanto virtuais e buscam num fio condutor consolidar uma comunidade profissional com o objetivo comum de qualificar a prática docente, as Rodas de Conversa podem ser propostas como estratégia de diálogo, num processo de contar/ouvir/ressignificar (Lopes, 2012) e como um caminho que auxilie a problematização da prática e a busca pelo saber partilhado entre os envolvidos. De uma maneira geral, os estudos que propõem as Rodas de Conversa como um espaço de convivência, trouxeram que a força do trabalho coletivo, incutido nessa proposta, representa uma forma de pensar, sentir e fazer a formação docente. Ao colocar-se a ver, falar e ouvir o outro, a indagar e discutir, redes de relações vão se instituindo, o que contribui para a constituição do “saber” e do “ser” professor e para a construção de narrativas pedagógicas voltadas à prática e ao cotidiano escolar. Além disso, a utilização do registro, seja ele escrito ou não, auxilia os professores a rememorar fatos, saberes, reflexões, bem como o conhecimento de situações, histórias, diálogos e práticas pedagógicas. Entre os principais desafios das
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