21 fazer parte da narrativa. Negar fatos, assim como omiti-los, é reforçar a versão conveniente àqueles que precisam legitimar sua dominação. É preciso fazer crer que não existiram episódios e acontecimentos que afrontem essa legitimidade, com apelos à desqualificação e ao descrédito de tentativas de contestação das versões difundidas. Assim, afirma-se que o Holocausto não existiu, que no Brasil a ditadura foi branda, que a escravidão foi benéfica para a população escravizada, que as mudanças climáticas são fantasiosas e produto de manipulações ideológicas, e tantas outras versões, rapidamente difundidas com grande abrangência, devido ao poder das tecnologias digitais de informação. No entanto, a memória não é inteiramente usurpada pelo poder vigente e reconfigurada segundo suas conveniências, assim como o esquecimento não anula lembranças das vivências de uma sociedade. As versões dos subalternos e resistentes, as lembranças do que foi por eles vivido podem ser sufocadas pela força das ideias veiculadas pelos senhores de plantão ou, se preciso for, pela força da repressão física ou simbólica, sempre violenta. Mas essas vivências permanecem invisíveis como veios d’água subterrâneos, que, em seu curso inexorável, afloram em determinado momento à superfície, ressurgindo com a força de lembranças ancestrais. A canção que identificava os partisans em luta contra o fascismo ressurge nas praças italianas no século XXI, onde milhares de pessoas entoam Bella Ciao, no movimento dos Sardinhas em oposição às políticas neoliberais de ataque a direitos populares. São as comemorações do 25 de Abril em Portugal, revivendo e celebrando o fim da longa ditadura salazarista. São os Lugares de Memória, no Chile e na Argentina, nos quais se procura manter viva a lembrança das atrocidades que foram os governos ditatoriais nesses países, para que sirvam de alerta à sua não repetição.
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