22 A identificação com uma causa comum e seu poder agregador faz surgir nova narrativa em oposição à história oficial imposta, arquitetada para tornar legitima a dominação existente. No Brasil, a deturpação da memória parece ser a norma, e o esquecimento, a regra. Heróis nacionais são versões falsas de personalidades sem heroísmo. Episódios cruentos são tratados como epopeias grandiosas das forças da ordem. A resistência, como motim de uns poucos inconformados e perturbadores da ordem social, pois o povo brasileiro é pacífico e ordeiro. Assim era ensinado nos tempos da ditadura. A grande tradição de lutas, ignorada, esquecida. Omitida. Nada sobre os levantes do Brasil desde quando Colônia. Balaiada, Confederação do Equador, Conjuração Mineira, Guerra do Paraguai, Farrapos, Praieira, Ferrabrás, Canudos, Revolta dos Malês, Contestado, nada ou muito pouco. Conflitos de terra marcados pela extrema violência desde as expedições bandeirantes, ensinadas como feitos de homens corajosos e destemidos, que fizeram a grandeza territorial de nosso país. Ou conflitos legitimados como defesa do direito à propriedade de poucos, negado à grande maioria dos deserdados de nossa história. Rupturas na ordem institucional naturalizadas como ocorrências irrelevantes, como a Independência, a República, as tentativas de golpes (1954, 1961 e o Movimento da Legalidade) e os golpes efetivados, como os de 1937 e 1964, com intervenções armadas, o de 2016, jurídico-parlamentar, contra a presidenta Dilma Rousseff, e seus desdobramentos. A narrativa histórica, pela qual se constrói a memória de uma sociedade, não é um processo isento de posicionamento e opções diante dos fatos que a narrativa procura resgatar, ou omitir. Não é uma leitura e interpretação imparciais e isentas
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