Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

100 Paoli e a Córsega na Era das Revoluções. Múltiplas perspectivas para a historiografia revolucionária liberdade. Essa “extrema ambiguidade,” conforme descrito por Wallerstein, é crucial para compreendermos as revoluções de forma dialética, como processos de “progresso” e “contenção”.21 A Revolução Corsa Assim, é através da reavaliação das perspectivas de Palmer e Godechot sob a ótica da história global que a Revolução na Córsega foi definitivamente integrada às histórias das Revoluções. Essa incorporação, semelhante ao que acontece com o Caribe, ocorre em parte como uma reação às limitações dos próprios Palmer e Godechot em relação à Córsega. De fato, enquanto o papel da Córsega é mencionado timidamente no capítulo XXIV da obra-magna de Palmer, três dos estudos contemporâneos mais significativos sobre a Era das Revoluções, os de Martin22, Bell23 e Colley24, ressaltam a importância central da Revolução Corsa nesse período. Palmer parte de uma observação crucial, que vai ao encontro a perspectiva discutida aqui: “A Itália no século XVIII fazia parte da civilização europeia, e sua agitação revolucionária era autóctone, não importada da França”.25 Essa observação não é meramente casual, mas está em consonância com um movimento historiográfico mais amplo na Itália pós-guerra. Na maior parte da historiografia italiana, a monarquia constitucional era vista como a norma histórica italiana, enquanto as tendências revolucionárias eram interpretadas como exógenas. Assim, a Revolução na Itália era entendida como uma “abstração” – ou seja, seus princípios eram considerados irrelevantes para os problemas reais – e como uma “passividade” – ou seja, uma resposta a estímulos externos, sugerindo que a Itália não seria capaz de iniciar uma revolução por si mesma. A derrota do fascismo e o novo governo de 1946 proporcionaram um terreno fértil para que a historiografia italiana reencontrasse seu próprio passado republicano.26 No entanto, apesar de reconhecer a importância da Itália como um todo – e de mencionar o Giornale patriottico della Corsica como o primeiro jornal revolucionário em língua italiana – as observações de Palmer sobre a 21 WALLERSTEIN, Immanuel. Impensar a ciência social. Aparecida: Ideias e Letras, 2006. p. 15-32. 22 MARTIN, Jean-Clément. La revolución francesa. Barcelona: Crítica, 2013. 23 BELL, David Aron. Men on Horseback: The Power of Charisma in the Age of Revolution. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2020. 24 COLLEY, Linda. A letra da lei: guerras, constituições e a formação do mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 25 PALMER, R. R. The Age of Democratic Revolution. Princeton: Princeton University Press, 2014. p. 578. 26 Ibidem, p. 578-579.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz