Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

101 Daniel Gomes de Carvalho Córsega não fazem justiça ao papel de Paoli. Palmer reduz Paoli a uma figura “antifrancesa” e “antirrevolucionária” em seus últimos anos.27 Além disso, de forma imprecisa, os Bonaparte são apresentados como os defensores da Revolução na ilha, em contraste com os paolistas, o que não corresponde à complexidade da situação. Atualmente, outras perspectivas têm maior força na historiografia. Segundo Martin, a Era das Revoluções marca a “entrada da Europa e de suas colônias atlânticas em um novo ‘regime de historicidade’ , quando as categorias de pensamento atribuem um novo valor ao futuro, promovem visões secularizadas do mundo e conferem autonomia às ações humanas, começando pela esfera política”.28 Nesse contexto, Martin considera a Córsega um dos primeiros exemplos dessa transformação, destacando como Paoli tentou estabelecer “um regime político inovador em nome do povo soberano, após libertar a ilha da dominação genovesa”.29 Assim, a Revolução na Córsega, descrita como um “laboratório das constituições modernas”30, serviu de inspiração para a filosofia iluminista, desafiando-nos a reconsiderar as interações entre os Iluminismos e as Revoluções. Estas últimas também atuaram como fontes de inspiração crítica para os primeiros. O caso de Paoli, ademais, ilustra bem a pluralidade do Iluminismo, pois seus posicionamentos políticos combinam elementos do tomismo da Escola de Salamanca, do republicanismo inglês, do contratualismo de Rousseau, além de seu conhecimento das obras de Lívio, Plutarco, Horácio e Políbio. Linda Colley, assim como Martin, inicia sua narrativa sobre a história das Constituições com Paoli, destacando-o como uma figura que “em breve se tornará uma celebridade, aparecendo em livros, cartas, jornais, poesias, artes, panfletos e canções. Admiradores dos dois lados do Atlântico o compararão a Epaminondas, o lendário general que libertou Tebas do domínio espartano”.31 Um relato da Córsega (1768), de James Boswell, um best-seller traduzido para francês, alemão, holandês e italiano, descrevia Paoli como um homem que “vivia nos tempos dos antigos”.32 Este texto do futuro autor de A Vida de Samuel Johnson foi crucial para tornar Paoli conhecido em toda a Europa do século XVIII. É nesse sentido que David Bell começa sua análise do carisma na Era das Revoluções com Paoli, destacando-o como “o mais proeminente exem27 PALMER, op. cit., p. 585-586. 28 MARTIN, op. cit., p. 21, 29 Ibidem, p. 21. 30 Ibidem, p. 22. 31 COLLEY, op. cit., p. 25. 32 BELL, op. cit., p. 23.

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