Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

105 Daniel Gomes de Carvalho perspectivas de Koselleck. Sem desmerecer a importância e a relevância dessas abordagens, este texto propõe a possibilidade de pensar, à luz de Braudel, uma outra perspectiva para compreender a Revolução na Córsega. De fato, essas análises frequentemente negligenciam as peculiaridades insulares da Córsega, que revelam elementos de longa duração cruciais para compreender o período paolista. Em O Século de Luís XIV (1751), no qual há um capítulo consagrado à Córsega, Voltaire, atento a esses aspectos, escreveu que “era mais fácil para os corsos conquistar Pisa e Gênova do que para Gênova e Pisa subjugarem os corsos, pois esses insulares eram mais robustos e mais corajosos do que seus dominadores.” Porém, o mesmo Voltaire constatava: “todos os seus vizinhos buscaram dominá-la”.49 Localizada no Mediterrâneo Ocidental, a Córsega, vista por Braudel como um “continente em miniatura”, estava a apenas cem milhas marítimas da França, no epicentro das disputas entre as potências europeias. Exposta às complexas dinâmicas marítimas, uma “ilha pode muitas vezes funcionar como uma espécie de laboratório a partir do qual é possível descobrir a história geral do mar”.50 O mar, assim, é percebido como fonte de perigos. Não por acaso, Letícia Bonaparte, a mãe de Napoleão, “não cessou de desencorajar o filho a ingressar na marinha”.51 Vale destacar como, após ressaltar a presença corsa em todo o Mediterrâneo no século XVI, Braudel recorda a disputa entre franceses e genoveses pelo domínio da Córsega. Ele observa que “os corsos do século XVI suportam mal o domínio de Gênova”, enquanto a “política francesa consegue semear a revolta na ilha” devido a uma “ligação vital entre um país rico em espaço disponível e uma ilha demasiado rica em homens”.52 Embora, no século XVIII, a França não estivesse mais tão aberta à emigração corsa como no século XVI, a ilha continuava a ser crucial nas disputas político-comerciais da época. Durante sua visita à Córsega em 1765, James Boswell notou que, embora a ilha tivesse muitos portos úteis, faltavam-lhe recursos econômicos e mão de obra qualificada para construir uma marinha eficiente.53 Assim, a proteção militar francesa, que Braudel destacou no século XVI, continuava a desempenhar um papel significativo no século XVIII. Desse modo, essa reflexão nos leva a destacar uma dimensão mediterrânea das Revoluções, que coexiste com as dimensões atlânticas e globais mencio49 VOLTAIRE. Précis du siècle de Louis XV. In: VOLTAIRE. OEuvres complètes de Voltaire. Paris: Garnier, 1878. Tomo XV. p. 406-417. 50 BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. Lisboa: Martins Fontes, 1983. v. 1. p. 174. 51 FILIPPI, op. cit., p. 91. 52 BRAUDEL, op. cit., 1983, p. 183. 53 COLLEY, Linda. A letra da lei: guerras, constituições e a formação do mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. p. 31.

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