Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

106 Paoli e a Córsega na Era das Revoluções. Múltiplas perspectivas para a historiografia revolucionária nadas. Isso se reflete no caráter e na extensão do domínio de Paoli. O controle genovês sobre a Córsega, estabelecido desde o final da Idade Média, estava centrado nos portos de Bastia, no nordeste, e Ajácio, no sudoeste, e até hoje pode ser recordado pelo arquipélago de torres genovesas que marcam a paisagem da ilha. Essas localidades eram estrategicamente importantes para proteger as rotas marítimas da região. Ajácio, situada em uma baía protegida e cercada por colinas suaves, estende-se ao longo da costa, com um porto natural que facilita o acesso ao mar Mediterrâneo. Em contraste, o interior montanhoso da ilha, de pouco interesse econômico, era considerado pelos genoveses como uma região “selvagem”, cuja dominação era vista como impraticável.54 As populações nativas mantiveram seus costumes tradicionais e estiveram em constante conflito com as autoridades portuárias.55 A Revolução ocorreu, portanto, em uma Córsega marcada pela pobreza, com escassez de recursos minerais, atravessada por montanhas íngremes e dividida em centenas de comunas semiautônomas56 – “e muitas das ilhas mediterrâneas são, na verdade, autênticas montanhas”.57 Paoli, dessa maneira, se instalou na cidade de Corte, posicionada em uma região montanhosa do interior da Córsega, 80 km a noroeste de Ajácio. A cidade se ergue sobre uma colina rochosa, proporcionando uma vista panorâmica da paisagem circundante. Esta localização estratégica no coração das montanhas a torna um ponto de defesa natural e um centro importante para a organização política e militar. Dessa forma é de Corte, cercada por uma rede de montanhas íngremes e rios de águas cristalinas, que Paoli proclamou a independência e atuou firmemente em favor da drenagem de pântanos, da construção de estradas e da abertura de pedreiras, visando a superar os “condicionalismos” que explicam a “pouca atividade que se registra no interior das ilhas”.58 Durante a Revolução, portanto, Paoli governava principalmente o interior da Córsega, enquanto as áreas portuárias ao longo da costa permaneciam, em grande parte, sob controle genovês e, posteriormente, francês. Assim, uma perspectiva geo-histórica nos leva a conclusão de que a centralização da sua Constituição não apenas refletia um republicanismo autoritário, mas também expressava uma ambição de longa duração do interior montanhoso tomar controle do litoral, a qual foi possibilitada pelo contexto da Guerra dos 7 Anos e da Ilustração. A “contradição”59 entre montanha e litoral também se 54 ZAMOYSKI, Adam. Napoleão: o homem por trás do mito. São Paulo: Planeta, 2020. p. 29. 55 Ibidem, p. 29. 56 COLLEY, op. cit., p. 30. 57 BRAUDEL, op. cit., 1983, p. 181. 58 Ibidem, p. 177. 59 Ibidem, p. 63.

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