Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

128 Karl Polanyi e a terra como mercadoria no Brasil (séculos XVI – XIX) a possibilidade de suspensão – na legislação que regula a lei de 1850 (editada entre 1854 e 1855) não há qualquer referência a ela. Desde o final do século XVIII a questão das terras comuns era tratada nos países europeus como um sintoma de atraso econômico, um entrave para o desenvolvimento.22 Essa lógica e seu triunfo, a eliminação jurídica das terras comuns, podem ser interpretadas como o ponto de chegada dos cercamentos (enclosures) iniciados na Inglaterra ainda no século XV. III – Colonização, comparação e tempo histórico A análise do processo de mercantilização da terra no Brasil utilizando os recursos teóricos desenvolvidos por Karl Polanyi permite que se faça uma crítica à obra deste mesmo autor, apontando seus limites. Ou seja, o olhar para a colônia, a partir do referencial conceitual de Polanyi, possibilita confrontar escolhas e procedimentos utilizados pelo próprio autor em A Grande Transformação. Polanyi opta pela Inglaterra como espaço de análise principal e a Europa como secundário, sendo eventuais as menções a outros lugares como a América, a África e a Ásia. A princípio, o que se poderia questionar sobre essa escolha é que ela impede que o autor perceba processos similares aos observados na Inglaterra, ocorridos em outros lugares. Mas o problema é maior, uma vez que a escolha de Polanyi se deve ao fato de que este vê a Inglaterra como o lugar em que a economia de mercado se forma e se difunde para o mundo – em função da Revolução Industrial.23 Isso implica uma série de problemas, particularmente sobre a questão das colônias e do tempo histórico. Polanyi emprega um procedimento interessante em sua análise da formação do mercado autorregulado que é contrapor o funcionamento deste às outras formas de organização econômicas. Para isso ele recorre a diferentes momentos históricos, mas, principalmente, à literatura antropológica. Sua conclusão é que nenhuma outra sociedade, com exceção daquela surgida no século XIX, funcionou sob o princípio de um mercado autorregulado. Aqui, o uso da comparação (diacrônica) tem um efeito analítico positivo, ao por em relevo a especificidade da economia de mercado. Em termos sincrônicos, ou seja, quando trata do processo histórico inglês, Polanyi parte dos cercamentos da era Tudor (XV-XVI) para atestar os efeitos desagregadores que a economia 22 NETO, Margarida Sobral. Propriedade e renda fundiária em Portugal na Idade Moderna. In: MOTTA, Márcia (org.). Terras lusas: a questão agrária em Portugal. Niterói: Eduff, 2004. p. 27. 23 POLANYI, A Grande Transformação, op. cit., 2021, p. 137.

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