129 Gustavo dos Santos Rey Saiz de mercado exerceu sobre a Inglaterra, mas também sobre as sociedades colonizadas por ela, antes e também depois da Revolução Industrial.24 O problema é que estes efeitos já se faziam visíveis em espaços coloniais anteriores à expansão marítima inglesa, como as colônias espanhola e portuguesa na América. A desapropriação dos territórios indígenas não é apenas similar aos cercamentos ingleses, é simultânea. Logo, se há um processo muito similar ocorrendo nos dois lados do Atlântico em territórios que não compõem uma mesma entidade política, é sinal que pode se tratar de um único processo, que transcende essa entidade política específica, no caso, o Estado inglês. Nesse sentido, a história do mercado autorregulado não se restringe à história da Inglaterra, configurando-se como um fenômeno mais amplo. Essa é a primeira objeção que se pode fazer com relação à análise de Polanyi. Ao entender a Inglaterra como o espaço no qual se desenrola a formação da economia de mercado, o autor “nacionaliza” o mercado autorregulado, perdendo de vista que a própria Inglaterra estava condicionada por pressupostos mais amplos, integrava um todo econômico maior. Em um primeiro momento, essa crítica pode ser entendida como a ausência de uma comparação sincrônica com outros espaços não ligados à Inglaterra no âmbito político, ou seja, outros Estados. Contudo, a crítica pode ser estendida também à comparação ou inclusão na análise de espaços politicamente ligados à Inglaterra. Nos momentos em que Polanyi destaca o avanço do movimento em defesa da sociedade e contra a formação do mercado autorregulado, não há qualquer menção ao que ocorria nas colônias inglesas do período.25 Enquanto o Estado aplicava recursos para salvaguardar os camponeses ingleses,26 ocorria a desapropriação e escravização nos territórios coloniais. Com base nisso pode-se questionar a noção de “defesa da sociedade” por parte do Estado. Defesa de qual sociedade? Assim, é possível levantar outra objeção à Polanyi. A centralidade da análise na Inglaterra é tamanha que mesmo o que se passava nas colônias britânicas não é considerado como constitutivo para o processo histórico inglês. Em alguns momentos de A Grande Transformação estão presentes insights que indicam o quão importante a experiência colonial havia sido no processo de formação da economia de mercado, tanto sincrônica quanto diacronicamen24 POLANYI, op. cit., 2021, p. 248. 25 Discutindo a percepção coeva, Polanyi afirma: “A ligação entre a pobreza rural e o impacto do comércio mundial não era evidente. Os contemporâneos não tinham razão para ligar o número de pobres nas aldeias e o desenvolvimento do comércio nos sete mares” (POLANYI, op. cit., 2021, p. 155). Da mesma forma, Polanyi não relaciona a criação do mercado de trabalho na Inglaterra com o fim da escravidão. 26 POLANYI, op. cit., 2021, p. 89 e passim.
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