Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

132 Transformação de estruturas e a reordenação social na Revolução Haitiana Isabela Rodrigues de Souza1 Momentos de crises profundas, aqueles capazes de atingir e modificar estruturas, representam um verdadeiro desafio de análise histórica. Provocados por uma conjunção de múltiplos fatores, esses períodos fazem emergir as contradições e conflitos latentes da experiência diária, de forma que não podem mais ser absorvidos pelas estruturas previamente existentes. A imprevisibilidade e as incertezas abertas por tais momentos multiplicam as possibilidades de ação dos atores históricos, tornando a construção do futuro um verdadeiro campo de disputas. Nesses períodos, há certa consciência por parte dos agentes de que o mundo em que viviam não é mais, em definitivo, o que costumava ser. Para Emília Viotti da Costa, esses são tempos de revolução.2 E a Revolução Haitiana é, sem sombra de dúvidas, um desses momentos. No coração da riqueza do Império francês nas Américas, o evento surgido na antiga colônia de Saint-Domingue – atualmente Haiti – impulsionou uma série de transformações que impactaram fortemente o mundo ao seu redor. Iniciou-se como um conflito no estrato livre da sociedade colonial e terminou por ser a revolução escrava mais bem-sucedida da modernidade, a ponto de fundar o segundo país independente do continente americano. Foi por meio dessa Revolução que, pela primeira vez, se decretou a abolição geral da escravidão, dando fim a existência de uma instituição secular na região. Além disso, teve como um de seus pontos centrais o conflito pela modificação completa do sistema produtivo levado a cabo pelos ex-escravos, os quais, após mais de uma década de experiência revolucionária, conseguiram transformar a “Pérola das Antilhas” num país camponês. A Revolução em Saint-Domingue, de modo geral, atingiu diretamente as principais potências escravistas do 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp. 2 COSTA, Emília Viotti da. Coroas de glória, lágrimas de sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 13-23 e p. 41. DOI: https://doi.org/10.29327/5450727.1-12

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