133 Isabela Rodrigues de Souza Atlântico e está inserida no processo de transformação da ordem capitalista que ocorreu na virada do século XVIII para o XIX. A magnitude de eventos como esse, em sua sucessão de acontecimentos grandiosos, acaba por ofuscar, em muitos explicações, os laços estruturais que condicionaram suas possibilidades de existência. No entanto, as análises histórias, via de regra, deveriam lidar ao mesmo tempo com a contingência de eventos históricos circunscritos no tempo e no espaço e a longa duração de estruturas – mesmo quando em mutação. Isso porque as estruturas, nos termos de Fernand Braudel, são realidades temporalmente estáveis e duradouras que funcionam como sustentáculos e obstáculos das ações humanas; isto é, elas fornecem campos de possibilidades dentro dos quais os indivíduos são livres para agir.3 Elas se interligam aos acontecimentos cotidianos enquanto condicionantes de viabilidade. Mas é apenas na realização de eventos que as estruturas se perpetuam ou se modificam, já que a lógica temporal própria ao evento, como diria Reinhart Koselleck, sempre executa mais e menos do que poderia ser previsto inicialmente. Estruturas e eventos, portanto, remetem e condicionam um ao outro.4 Nesse sentido, os atores históricos não são nem completamente livres, nem completamente determinados.5 Isso porque as experiências humanas constituintes dos eventos não são também simples resultado das condições prévias; elas carregam em si certa novidade. Essas novidades costumam reiterar os movimentos estruturais que as condicionaram previamente, mas a possibilidade de transformação faz parte das estruturas. Somente ao romper com o movimento esperado é que se alargam os campos possíveis de atuação dos sujeitos. Nessas condições, surgem cenários futuros de difícil previsibilidade, alvos de intensas disputas por parte dos agentes históricos.6 Evidentemente, a revolução escrava em Saint-Domingue não era esperada. Analisá-la exige considerar as histórias possíveis e entrecruzar os diversos estratos temporais nela existentes, do mais circunscrito e contingente dos acontecimentos até a longa duração das estruturas em processo de modificação. No que interessa mais diretamente aqui, compreender a organização da ordem econômica e social em Saint-Domingue após a abolição da escravidão requer observar de perto as relações entre os agentes envolvidos entre si, mas também com o mundo cambiante ao seu entorno. Foi realizando um dos variados possíveis dentro de um momento de exacerbada incerteza que essas 3 BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais, a longa duração. Revista de História, v. 30, n. 62, p. 261-294, 1965. p. 268. 4 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuiço a semantica dos tempos historicos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. 5 SARTRE, Jean Paul. Crítica da Razão Dialética, precedido por Questões de Método. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 74. 6 KOSELLECK, op. cit., p. 313.
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