Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

137 Isabela Rodrigues de Souza mar que havia mais marrons em 1801 do que na época pré-revolucionária.16 Quando encontravam oportunidades, organizavam revoltas localizadas a fim de lograr melhorias nas intoleráveis condições a que estavam subjugados, em busca sempre de mais tempo para o cuidado das roças pessais de subsistências. Mais do que isso, alguns chegaram a adquirir parcelas de terra (inclusive legalmente), sobretudo em períodos de guerra, em que a atenção governamental sobre a economia era dividida com as demandas bélicas. Não à toa Toussaint Louverture, o mais conhecido líder da Revolução, ordenou a proibição de vendas de terrenos inferiores a 65 hectares – área maior que muitas das fazendas cafeeiras. Observa-se que a Revolução abriu um campo de possibilidades que os escravos aproveitaram para levar adiante suas próprias lutas. Eles buscavam, a todo custo, converter-se em pequenos produtores e rejeitar definitivamente a vida nos latifúndios monocultores. Por outro lado, conforme se fortalecia o poder dos agentes metropolitanos e, especialmente, do exército negro revolucionário, mais avançava a aplicação das políticas econômicas de restauração do sistema de plantation. Baseadas na recuperação da produção e no controle estrito sobre a mão de obra, tais projetos lograram retomar consideráveis níveis de exportação, em especial de café, cuja natureza do cultivo se adequou melhor ao ambiente revolucionário da colônia. Foi durante o período de comando de Louverture que esses projetos foram desenvolvidos de modo mais intenso. Mas não sem um elevado custo político e social. Ele levou a população trabalhadora ao extremo ao instituir uma obediência de caráter militar em todas as esferas sociais, cabendo ao exército se encarregar da vitória do sistema de plantation sobre qualquer outra forma de organização da terra e do trabalho. Sem embargo, a coerção necessária para assegurar esses elevados níveis de exploração não seria viável a longo prazo, nem mesmo para o grande líder revolucionário. A descrença dos cultivadores na elite governante, composta principalmente pelo alto escalão militar, expressou-se na crescente objeção à Toussaint e seus comandantes.17 Isso ficou claro quando na guerra de independência contra o exército francês a população domingoise lutou por sua própria liberdade, em oposição às lideranças negras da Revolução. Mas para além das contingências do processo revolucionário, a disputa em torno da formação de uma nova ordem social em Saint-Domingue após a emancipação está também relacionada a transformações mais amplas que ocorriam na ordem capitalista mundial no final do século XVIII. A ideologia 16 DEBIEN, Gabriel. Plantations et Esclaves à Saint-Domingue. Dakar: Publications de la Section d’Histoire, 1962. p. 161; GONZALEZ, op. cit., p. 69. 17 HAZAREESINGH, Sudhir. O maior revolucionário das Américas: A vida épica de Toussaint Louverture. Rio de Janeiro: Zahar, 2021. p. 375; GEGGUS, David. Toussaint Louverture and the Haitian Revolution. In: ANDERSON, David; HUPCHICK, Dennis; WEISBERGER, Wiliam (org.). Profiles of Revolutionaries in Atlantic History, 1700-1850. New York: Columbia University Press, 2007. p. 126.

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