146 Comércio, informações e diplomacia: o grão-ducado da Toscana e o império português no Atlântico (1580-1640), breves apontamentos historiográficos e metodológicos Serge Gruzinski em um artigo programático afirma que no movimento expansionista ibérico “Houve uma compressão sem precedentes das distâncias: o desconhecido torna-se familiar, o inacessível torna-se disponível enquanto o longínquo aproxima-se de maneira espetacular”.14 Prolifera-se o consumo de produtos extra-europeus, os pontos de vista “mestiços”, e o historiador afirma inexistir um sentido único nos deslocamentos de indivíduos e ideias. Refuta-se os “reflexos do eurocentrismo”; mas a celebração dos contatos sem a abordagem de suas assimetrias, afirmando que a relação colonial é uma das várias relações existentes que caracterizam os “mundos da Monarquia Hispânica”, fruto de uma concepção de história na qual o historiador deve operar como um “eletricista”, pode apresentar alguns problemas. Ao se restabelecer conexões intercontinentais, abandonando o nacionalismo metodológico e explorando as connected histories – “o que implica que as histórias só podem ser múltiplas”, em menção à Sanjay Subrahmanyam15 –, faz com que apareça um outro problema. Apesar de buscar romper com o eurocentrismo, se erradica as diferenças qualitativas entre os espaços que se interligam no movimento expansionista ibérico. Esta é uma ruptura programática com parte da historiografia, sobretudo marxista, que torna as connected histories16 em parte problemáticas. Em trabalho mais recente, A Águia e o Dragão, o historiador reafirma o ponto presente anteriormente: globalização é sincronização.17 Os reflexos dos trabalhos de historiadores como Gruzinski e Subrahmanyam foram e são continuamente aplicados para os estudos mais próximos ao que estamos levando adiante. Contudo, se a integração do “global no local” é algo que deve ser prezado, o rompimento com o par conceitual centro-periferia, por exemplo, faz terra arrasada da própria compreensão, que deve ser fundamental para este estudo, de uma territorialidade colonial e das lógicas inerentes à expansão europeia. Devemos nos situar, portanto, mais próximos da distinta concepção acerca do estudo dos contatos e redes no mundo Atlântico que foi dada pelo historiador Marcello Carmagnani, que, baseando sua assertiva em Fernand Braudel, nos diz que a História é a representação de todas as Ciências Sociais 14 GRUZINSKI, Serge. Os mundos misturados da monarquia católica e outras Connected Histories. Topoi, v. 2, n. 2, p. 175-195, 2001. p. 183. 15 GRUZINSKI, op. cit., 2001.. 16 Dentre os trabalhos em que Subrahmanyam refuta abertamente a contribuição marxista, a sua biografia de Vasco da Gama contém críticas aos chamados neomarxistas que detalham o ponto destacado – como no aspecto sobre a abordagem do historiador Vitorino Magalhães Godinho (SUBRAHMANYAM, Sanjay. The Career and Legend of Vasco da Gama. Cambridge: Cambridge University Press, 1997a). Para sua concepção de histórias conectadas, ver o artigo SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes Towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, v. 31, n. 3, p. 735-762, 1997b. 17 GRUZINSKI, Serge. A Águia e o Dragão: ambições europeias e mundialização no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 296.
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