Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

147 Joao Gabriel Covolan Silva no passado. Assim, a História Atlântica praticada por Carmagnani depende da capacidade de usar e elaborar conceitos analíticos que levem em consideração os processos históricos nos âmbitos sociais, econômicos, políticos e culturais: caso contrário, a história se torna uma coleção de dados empíricos.18 Em nossa historiografia, há tempo Fernando Novais nos alertou sobre o perigo: “[...] estamos igualmente conscientes da necessidade incontornável dos esforços deste gênero para orientar as pesquisas históricas; do contrário, corre-se o risco de submissão sem crítica aos dados colhidos na documentação, produzindo-se quando muito uma descrição empírica da realidade”.19 Não que todos os exemplos mencionados acima sejam meras coleções de dados; mas ao se abrir mão do uso de determinados conceitos e ao se afirmar que as histórias só podem ser múltiplas, envereda-se por trilhas que podem anular ao longo do processo de pesquisa as já referidas assimetrias e pluralidades espaço-temporais, que pode levar à um isolamento em relação às outras ciências. A dependência da História de teorias – aceitando o desafio de uma exigência de teoria se quisermos que a ciência da história continue a se definir como ciência” –, advém do próprio fato de que “nada escapa à perspectiva histórica”.20 Daí resulta o risco de se prescindir de conceitos em perspectiva histórica: cair em uma profusão de narrativas individuais. E, no caso de nosso estudo, anular as pluralidades espaço-temporais, geográficas e históricas. Portanto, uma primeira constatação a se fazer para a análise é, seguindo os passos de Milton Santos, que devemos abordar o espaço como o resultado da geografização “de um conjunto de variáveis, de sua interação localizada, e não dos efeitos de uma variável isolada”. Pois sozinha, uma determinada variável fica carente de significado, como o é fora do sistema ao qual pertence.21 A compreensão das relações dos distintos espaços, os fluxos mercantis e de comunicação, levando em consideração suas respectivas posições dentro de um sistema ao qual pertencem impede um “achatamento” que pode anular as relações coloniais, essenciais para se entender o porquê destas redes e suas dinâmicas, bem como o lugar ocupado pelos fluxos a partir de e para um estado semiperiférico dentro da economia-mundo europeia.22 É este o caso do 18 CARMAGNANI, Marcello. Le Connessioni Mondiali e l’Atlantico, 1450- 1850. Torino: Einaudi, 2020. 19 NOVAIS, Fernando A. Colonização e sistema colonial: discussão de conceitos e perspectiva histórica. In: NOVAIS, Fernando A. Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosacnaify, 2005. p. 43. 20 KOSELLECK, Reinhart. Estratos do Tempos: estudos de história. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC- -Rio, 2014. p. 277-280. 21 SANTOS, Milton. Espaço e Método. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2020. p. 37. 22 O conceito de semiperiferia, aqui, leva o sentido que lhe foi atribuído por Fernand Braudel e por Immanuel Wallerstein. Como afirmou Braudel, a semiperiferia é uma área próxima do centro da economia-mundo, um “pericárdio” que auxilia ao aumento da pulsação do centro (BRAUDEL, Fernand. The Perspective of the World. Nova Iorque: Harper & Row, 1984. p. 56). De modo igualmente suges-

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