157 João Paulo Pimenta A sociedade que se caracteriza pelo padrão curto-curto [...] é uma sociedade rica em vivências, porém vazia de experiências. Seu tempo escapa por entre os dedos em ambos os fins – na vivência e na memória.2 Esta passagem nos oferece a possibilidade de uma problematização acerca de uma questão central não apenas à obra do sociólogo alemão, mas também às discussões que pautaram as atividades do Lab-Mundi nos últimos dez anos. Se parece em boa medida introjetada, dentre seus partícipes, a concepção de que o tempo da história é uma pluralidade dinâmica e multifacetada de tempos menores, cujas contradições e sínteses são – como nos ensina Bloch – tanto “o plasma em que se engastam os fenômenos” quanto o lugar de sua inteligibilidade,3 mais rasa tem sido a consideração acerca das diferenças qualitativas entre esses tempos plurais, assim como das hierarquias por eles estabelecidas. Há muitas formas de se abordar o problema das diferenças qualitativas e das hierarquias de tempos da História. A proposição de Benjamin acerca de vivência e experiência, assim como sua leitura por Rosa,4 nos permite retomar tal problema para além das inevitáveis considerações sobre as relações entre tempo e duração, enfocando também as relações entre tempo e outras dimensões da realidade social. Afinal, segundo Benjamin, a principal diferença entre vivência e experiência residiria na capacidade desta, ao contrário daquela, de se conectar com a vida de um determinado indivíduo – por extensão, de uma sociedade – e criar algo novo: uma memória, uma identidade, um lugar no mundo, uma articulação entre passado e futuro. Assim, experiências seriam enraizadas, duradouras e criativas, enquanto vivências seriam superficiais, fugazes e estéreis. Se estamos reiterando uma concepção de pluralidade hierárquica de tempos históricos constitutivos e explicativos de uma determinada sociedade, o deslocamento deste problema, das durações – o quanto um fenômeno se transforma mais ou menos lentamente em relação a outros fenômenos – para o da potência criativa – o quanto um ritmo de transformação é capaz de impactar o conjunto da realidade – é apenas momentâneo. Tempos históricos demandam uma abordagem tanto quantitativa quanto qualitativa: quanto algo dura, mas também como dura. *** 2 ROSA, Hartmut. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. Trad. Rafael H. Silveira. São Paulo: EDUNESP, 2019. p.291-293. 3 BLOCH, Marc. Apologia da história ou o oficio do historiador. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p.55. 4 Outra prolífica reelaboração das ideias de Benjamin acerca da experiência encontra-se em AGAMBEN, Giorgio. Infancia e historia: ensayo sobre la destrucción de la experiencia. 2. ed. Buenos Aires Adriana Hidalgo, 2007. p. 7-91.
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz