158 Vivências e experiências: uma nota acerca dos tempos da história e suas hierarquias As discussões do Lab-Mundi sempre tocaram nessa questão, seja de modo direto – com Rosa, Braudel, Koselleck ou Bloch – seja de modo tangencial – com Wallerstein, Arrighi, Palmer ou Bourdieu.5 A seguir, quatro breves reflexões acumulam parte dessas discussões, a elas agregando pontos de investigação empírica e teórica mais autorais. Primeiro ponto: devemos retornar às observações já feitas no âmbito do Lab-Mundi especificamente acerca da apropriação pouco rigorosa e da indexação algo insuficiente de certas ideias de Koselleck por parte de Rosa; mais precisamente no tocante a espaços de experiência e horizontes de expectativa. Para Koselleck, ambas são categorias históricas, isto é, explicam com alguma parcela de generalização, situações e fenômenos concretos.6 Como categorias históricas, só podem estar em permanente mutação, sendo tal caráter dinâmico intrínseco a elas, jamais um atributo específico de sua incidência em um período histórico particular – seja ele a modernidade ou qualquer outro. Ora, se em uma sociedade, experiências e expectativas encontram-se em permanente “transformação” e “reconstrução” (nos termos de Rosa), tal dinâmica só pode ser vista (nos termos de Benjamin e de Rosa) como uma interdição da conversão também de vivências em experiências genuínas às custas da implosão das próprias categorias. A nosso ver, o que diferencia vivência de experiência é a qualidade ao mesmo tempo abrangente e articuladora da segunda em relação à primeira, e não o caráter supostamente estabilizador das experiências em relação às vivências. Vivências também estabilizam sociedades, em múltiplos ritmos e durações. Isso nos conduz a um segundo ponto: tanto vivências quanto experiências são formas sociotemporais sujeitas a lógicas de duração. Se experiências são formas mais estáveis e duradouras, como pretenderam Benjamin e Rosa, isso não implica que vivências não possam também sê-lo. Tal afirmação, de nossa parte, desloca as diferenças entre ambas para um plano de tendências, e não de essências. Como bem nos mostra, por exemplo, Braudel, a chamada civilização material que o autor estudou para porções do mundo entre os séculos 5 BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais: a longa duração. In: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. Trad. J. Guinsburg &Tereza Silveira da Mota. São Paulo: Perspectiva, 197. 41-78; KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre a história. Trad. Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2014; KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Trad. Wilma Patrícia Maas & Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006; KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos: estudos sobre a semântica e a pragmática da linguagem política e social. Trad. Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020; WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System IV: Centralist Liberalism Triumphant, 17891914. Berkeley; Los Angeles; Londres:: University of California Press, 2011; ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Unesp, 1996; PALMER, Robert. The Age of the Democratic Revolution. Princeton: Princeton University Press, 2014 (1959); BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 6 KOSELLECK, op. cit., 2006, cap.14.
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