Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

159 João Paulo Pimenta XV e XVIII sempre foi plena de vivências cotidianas, maneiras fugazes de se lidar com o tempo e o espaço.7 E mesmo assim, tal civilização material pode ser considerada como uma estrutura de longa duração, isto é, uma dimensão da realidade sujeita a ritmos lentos de transformação, a dinâmicas aparentemente – apenas aparentemente – imóveis. Nesse sentido, as vivências dos homens e mulheres protagonistas dessa civilização seriam, potencialmente, não só tão estabilizadoras, mas igualmente tão duradouras quanto suas experiências.8 As diferenças entre vivências e experiências, portanto, não residem em seus atributos de duração temporal, mas sim em suas capacidades de articulação de dimensões relacionais constitutivas de uma totalidade social. Uma exemplificação indicativa dessa diferença pode ser buscada na observação dos processos de independência da América ibérica, e que em outras ocasiões denominamos como um espaço de experiência revolucionário moderno.9 Pretendemos tratar-se de um conjunto de fenômenos históricos restritos ao plano do que Benjamin e Rosa chamariam de experiências? Não exatamente. Encontramos ali, certamente, experiências, no sentido de realidades políticas enraizadas, duradouras e criativas; mas não apenas. Também realidades políticas que poderíamos descrever como vivências. Um dentre muitos exemplos indicativos possíveis: o conhecimento em um espaço político mais ou menos bem-delimitado e restrito – como o Império Português, o Brasil, uma província do Brasil ou, ainda, uma de suas localidades – do que ocorria em outros espaços – como a Europa, a Península Ibérica, Portugal ou Espanha, a América Espanhola, o Rio da Prata ou o Peru, ou ainda Montevidéu, Buenos Aires ou Lima – podia ser conhecimento inofensivo. Uma notícia publicada em um jornal, tratada em uma correspondência diplomática ou registrada em uma correspondência privada, poderia despertar interesse mínimo ou nulo da parte de um determinado leitor ou ouvinte. Mas em outro, a mesma notícia podia chamar a atenção, capacitar medos, abrir possibilidades de ação concreta. Em suma: um acontecimento, a notícia a seu respeito e o consumo dessa notícia podiam se constituir, para algumas pessoas, em simples vivências; 7 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo séculos XV-XVIII. Trad. Telma Costa. Lisboa: Teorema,1995. v. 1. 8 Para além de “civilizações materiais”, os estudos em torno de vivências (e experiências) de longa duração são abundantes. Para nos restringirmos a alguns outros exemplos caros ao Lab-Mundi: BLOCH, Marc. A estranha derrota. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. No âmbito da historiografia brasileira sobre o Brasil: FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. 2 t.; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978; e PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1961. 9 PIMENTA, João Paulo. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (1780-1830). São Paulo: Intermeios, 2017. cap.1.

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