Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

160 Vivências e experiências: uma nota acerca dos tempos da história e suas hierarquias em outras, porém, eles podiam subsidiar experiências.10 Nesse caso, a hierarquia de tempos históricos não se engendrava pela duração da tríade acontecimento/notícia/conhecimento (concebendo-se a possibilidade de tal mensuração), mas pela posição relativa dessa tríade em relação a outras dimensões da mesma realidade: quem lê, como, porque, quando, onde e para quê, bem como seus interesses políticos, históricos de vida, atividades econômicas, visões de mundo condicionantes de suas concepções de passado, presente e futuro etc. Uma vivência fugaz ou uma experiência criativa, para todos os efeitos, são igualmente constitutivas dos tempos da história. Uma extrapolação do campo de observação dessas aproximações e distanciamentos entre vivência e experiência nos conduz a nosso quarto e último ponto. Trata-se de uma observação de caráter meta-histórico, amparada na substituição do objeto de demonstração: não mais uma realidade histórica eivada de tempos plurais e hierarquizados, mas o próprio tempo como realidade histórica.11 Em uma perspectiva de uma história social do tempo, as dialéticas entre vivências e experiências quiçá sejam ainda mais abundantes e notáveis. Afinal, toda e qualquer sociedade apresenta uma variação mais ou menos limitada e controlada de atitudes diante do tempo. Muitas delas são simples vivências: viver os efeitos mais imediatos dos ciclos da natureza, acreditar em divindades e praticar ritos elementares de uma vida parcialmente religiosa, organizar tarefas cotidianas segundo convenções de calendários, depreciar o envelhecimento e temer a morte etc. No entanto, dessas mesmas vivências – todas elas inscritas em perspectivas de longa, senão longuíssima duração – surgirão, para outras pessoas e naquelas mesmas sociedades, experiências: atacar o sistema heliocêntrico ou defender o meio ambiente contra o aquecimento global, refletir acerca das relações entre política e religião e se posicionar a respeito de suas consequências para um determinado projeto de sociedade, subverter convenções cotidianas e amortizar o poder de calendários, elaborar concepções de juventude e velhice de modo a criar para si ou para sua coletividade identidades ou políticas de memória (como, aliás, apregoaram Benjamin e Rosa) etc. Uma mesma sociedade, as mesmas formas temporais, mas incidindo sobre pessoas diferentes, de modos diferentes: vivências convivendo e interagindo com experiências. *** Retomando, reiterando e concluindo: a pluralidade de tempos que constitui e explica a história enseja sempre hierarquias. Alguns tempos se impõe – sempre parcialmente, jamais absolutamente – sobre outros, nesta ou naquela dimensão da realidade, compondo hierarquias dinâmicas e em 10 Um bom exemplo dessa diferenciação no estudo de uma realidade colonial: BOSCOV, Sarah T. Vivências e experiências do tempo: a capitania de São Paulo, c.1750-c.1808. São Paulo: Hucitec, 2023. 11 PIMENTA, João Paulo. O livro do tempo: uma história social. São Paulo: Edições 70, 2021.

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